(FOLHAPRESS) – Estudos recentes apontam que murado de metade das condições que geram dores crônicas acometem mais mulheres. Fatores uma vez que a sensibilização e percepção da dor e diferenças hormonais explicam essa diferença, mas não só isso. A cultura e a sociedade têm papel importante nessa estatística.

 

A dor é uma experiência sensitiva individual que acontece com todos. A dor crônica, por outro lado, é quando essa sensação ocorre incessantemente, sem motivo aparente, por mais de três meses, e estima-se que acomete murado de 20% dos adultos.

Existem algumas explicações para que os estudos concluam que a maioria dessas pessoas são mulheres.

O primeiro e mais generalidade é biológico: “o estrogênio aumenta a sensibilização à dor, enquanto a testosterona tem um efeito protetor”, diz Alex Mélo, doutorando na Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo) e colaborador no Ambulatório de Ginecologia de Pluralidade de Gênero da mesma instituição.

Gabriel Kubota, coordenador do Núcleo de Dor do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP, afirma que o limiar de dor, ou seja, a tolerância à dor se mostra ser menor nas mulheres. E esse limiar pode variar de harmonia com a temporada do ciclo menstrual, além de influências genéticas e do próprio sistema imune.

A influência hormonal existe e explica em partes essa discrepância, mas os estudos avançaram para além da questão biológica: “a compreensão da dor evoluiu para reconhecer sua natureza multidimensional e subjetiva, incluindo componentes sensoriais, emocionais e cognitivos”, diz Nadyne Saab, doutoranda em Psicobiologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

FATORES PSICOSSOCIAIS

Os homens tendem a se queixar menos de dor a depender da pessoa com quem estão se comunicando. Outrossim, pessoas do gênero masculino procuram menos os equipamentos de saúde quando sentem dor. Kubota diz que isso poderia ser explicado pelo vista cultural de um arquétipo masculino resistente e poderoso.

Já a queixa de dor nas mulheres é muitas vezes desvalorizada. “Se atribui que é normal da mulher ter dor no período menstrual, é normal da mulher ter enxaqueca, quando na verdade não, ela precisa ser tratada, é uma exigência, que gera sofrimento”, acrescenta o médico.

Eder Souza, enfermeiro profissional em dor e gerente do Núcleo de Referência da Dor Crônica Bom Retiro, aponta que, para além da literatura, essa estatística se confirma no dia a dia do serviço de saúde que gerencia. Segundo ele, as mulheres lidam com uma sobrecarga dissemelhante dos homens, uma vez que triplas jornadas de trabalho, o zelo do lar, dos filhos e do empoderamento que algumas realidades sociais impõem.

O estresse é outro fator que exacerba a experiência dolorosa. Mélo reitera que o impacto social de discriminação e preconceito gera hipervigilância e estresse crônico, consequentemente aumentando os níveis de cortisol e a sensibilização à dor.

Isso acontece em grupos minoritários uma vez que as mulheres, com um agravante de classe, etnia, cor e gênero, uma vez que é o caso das mulheres trans, principal foco do estudo do doutorando. “Homens trans, ao usarem testosterona, podem testar alguma redução ou manutenção da percepção dolorosa. Isso mostra que fatores hormonais influenciam sim, mas o impacto social continua aparecendo uma vez que o principal perpetuador da dor crônica.”

IMPLICAÇÕES E TRATAMENTOS

Saab aponta que viver com dor crônica também pode desencadear uma série de limitações e impactos na vida de quem convive com o problema, uma vez que uma piora em níveis de depressão e impaciência, o surgimento de distúrbios do sono, alterações na autoestima e problemas em relacionamentos interpessoais devido ao estresse gerado.

Por isso, é imprescindível o comitiva multidisciplinar para o tratamento da dor crônica. A presença de diferentes profissionais permite o olhar biopsicossocial, que engloba as questões fisiológicas, psicológicas e sociais que causam o problema.

O Núcleo de Referência da Dor Crônica do Bom Retiro é um dos seis desse serviço de saúde na capital paulista. Os pacientes que se encaixam no perfil para o tratamento são encaminhados pelas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) do município. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, cada núcleo realiza 200 atendimentos diários de pessoas a partir dos 13 anos de idade.

As especialidades envolvidas nos atendimentos são fisiatras, psicólogos, assistentes sociais, reumatologistas, ortopedistas, fisioterapeutas, acupunturistas, terapeutas ocupacionais e profissionais da enfermagem. Além dos atendimentos individuais, os usuários podem participar de rodas de conversas, grupos de reflexão e práticas de exercícios.

“Um dos privilégios que nós temos hoje é de reunir todas as especialidades num único lugar”, diz Souza. “Nós também conseguimos fazer essa discussão com outros serviços da rede. Portanto, se tem uma mulher que sofre de violência ou um idoso vulnerável, nós conseguimos fazer a fala.”

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