SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No início do mês, uma pane global deixou usuários do mundo todo sem acesso a WhtasApp, Instagram e Facebook por longas seis horas. E se esse apagão foi motivo de aflição e ansiedade para muita gente, outros sentiram um verdadeiro alívio com a “folga” das telas, uma oportunidade para se dedicar a outras atividades ou simplesmente desconectar.
Nicole Soares, 23 anos, conta que não percebeu de imediato a queda das redes. A técnica em química estava trabalhando e diz que, quando entendeu a dimensão do problema, conseguiu enxergar aspectos positivos. “As redes sociais acabam ocupando uma grande parte do nosso dia, quase como uma obrigação de estar ali acompanhando o tempo todo”, resume.
O tempo livre que Nicole de repente “ganhou” naquele 4 de outubro foi o empurrão que precisava para finalmente começ a montar um quebra-cabeça de mil peças. “Foi como uma limpeza, um momento de paz sem as redes”, diz ela, que agora vai encarar o desafio de um jogo de 2.000 peças.
A paz que alguns sentem ao ficar offline tem suas razões. Não são poucos os estudos que associam o uso intenso das redes sociais a quadros de ansiedade e depressão, por exemplo.
De acordo com Lilian Carvalho, coordenadora do Núcleo de Estudos de Marketing Digital da Fundação Getulio Vargas (FGV), as redes sociais atuam para provocar uma “antecipação de prazer” nos usuários, ou seja, alimentam a expectativa de que algo bom possa acontecer a partir de conversas e publicações -uma resposta, um comentário, um like.
“É o mesmo tipo de técnica usada para adestrar cachorros, gatos, cavalos, qualquer animal. As redes sociais nos condicionaram a esperar o prazer”, explica.
Segundo ela, esse tipo de interação com as redes é algo característico da geração Z, que cresceu inserida em um ambiental digital -nascidos entre a segunda metade da década de 1990 e o ano de 2010. “Talvez a geração Z tenha ficado mais ansiosa por isso, porque a ‘droga’ deles é a rede social. Para outras gerações foram outras coisas, como foi a televisão para a geração X [entre os anos 1960 a 1980]”, afirma.
Para o analista jurídico Lucas Araújo, 29, a queda das redes também foi positiva. Ele conta que teve mais foco, conseguiu ler um livro e também se concentrou em alguns afazeres da casa. “[A pane] reforçou um movimento que eu já tenho incorporado à minha rotina: a redução do consumo de conteúdo nas redes sociais.”
Comportamento oposto ao de Lucas e Nicole teve a ilustradora Amanda Jorge, 22. Ela diz que o apagão afetou diretamente seu trabalho, que depende bastante da divulgação nas redes sociais, e admite certo nervosismo também por não conseguir contato com familiares, amigos e o namorado. “Tinha coisas programadas para postar e fazer, então deu uma ansiedade”, conta. “Quando percebi que não estava voltando [o funcionamento], aí comecei a entrar em pânico.”
Então fica o questionamento: se temos consciência dos impactos negativos das redes sociais na saúde mental, por que insistimos em continuar conectados a esse ambiente virtual?
De acordo com Camila Magalhães Silveira, médica psiquiátrica do Hospital Sírio Libanês e da Caliandra Saúde, uma das explicações está na sensação que ganhou o nome de FOMO: “fear of missing out”, na expressão em inglês, que pode ser traduzida como “medo de perder algo”.
A psiquiatra afirma que, apesar de não ser uma doença, o FOMO guarda semelhanças com a ansiedade. “[Existem] dois componentes principais: o primeiro é sentir apreensão por achar que as outras pessoas estão tendo muito mais prazer, satisfação e retorno na vida do que você”, diz.
“O segundo é sentir um desejo persistente de saber o que está acontecendo com os outros, principalmente nas redes sociais. Na quarentena, muita gente relatou que a ansiedade e o FOMO ficaram piores do que o normal, apesar do cancelamento de festas, encontros, aulas e reuniões.”
A relação do usuário com as redes sociais se torna preocupante quando são identificados sintomas de ansiedade, como taquicardia, além de sensação de solidão e abandono. Para a psiquiatra, nesses casos o ideal é se distanciar da internet e buscar atividades que fujam do digital.
“Quem não conseguir deve levar essa questão para um profissional de saúde mental ou para o seu círculo íntimo de amizade. Compartilhar a ansiedade pode ser o primeiro passo para esvaziá-la”, afirma Camila Silveira.
Daniela Arrais, sócia-fundadora e diretora de criação e conteúdo da Contente, plataforma que prega uma vida digital mais consciente, lembra que a sociedade fica vidrada nas redes sociais porque elas foram desenvolvidas especialmente para prender a nossa atenção, o dia inteiro.
“Foram criados produtos com o objetivo de nos conectar na máxima potência, e também de facilitar as nossas vidas”, diz a jornalista, que faz parte do time dos que sentiram algum alívio com o apagão. “Foi bom experimentar um silêncio cada vez mais raro.”
Para estimular a reflexão, Daniela propõe um exercício: “Fica o convite para a gente refletir sobre o impacto das gigantes da tecnologia sobre as nossas vidas. Como seria a sua vida, o seu negócio e as suas relações se Facebook, WhatsApp e Instagram deixassem de existir?”.
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