BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, mentiu na Comissão de Educação da Câmara nesta quarta-feira (7) ao dizer que sua gestão não atuou para criar uma nova comissão de análise ideológica das questões do Enem. Ribeiro disse que se tratava de “fake news” a informação revelada pelo jornal Folha de S.Paulo.
A declaração do ministro, que assegurou não haver documentos determinando o ato, contradiz os registros processuais no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão ligado ao Ministério da Educação. O planejamento envolvendo várias áreas do órgão é tratado em dois processos no instituto: de nº 23036.003596/2021-21 e nº 23036.003658/2021-02.
A reportagem teve acesso ao conteúdo da minuta da portaria que cria a espécie de tribunal ideológico das questões, como revelado em 17 de junho. Essa minuta, que faz parte deste primeiro processo, prevê que a comissão vetasse “questões subjetivas” e atenção a “valores morais”.
A reportagem também recebeu outros documentos, como uma nota técnica elaborada por técnicos do Inep, que se posiciona contrária à iniciativa. Essa nota faz parte do segundo processo citado.
O tema havia sido colocado como prioridade pela equipe do ministro e, quando a reportagem foi publicada, o plano era publicar o ato nos próximos dias. O tema perdeu esse ritmo, no entanto, após repercussão negativa. O PSOL e a Defensoria Pública foram à Justiça questionar a medida.
Na Comissão de Educação da Câmara, nesta quarta, Milton Ribeiro disse agora que a iniciativa nunca teria existido.
“A alegação da formação de uma suposta comissão, isso aqui é quase uma piada. A gente fala, só faltava essa, de fazer uma comissão de censura em perguntas do Enem”, disse ele aos parlamentares. “Essa ideia de formar uma comissão para analisar questões e perguntas, isso, como dizem hoje [e] já está passando de moda, é fake news, é uma bobagem, por favor não levem a sério essa conversa.”
E continuou: “A alegação de uma suposta comissão no âmbito do Inep para revisão ideológica nas questões é infundada, não há qualquer documento com decisão administrativa determinando a criação da comissão.”
A Folha de S.Paulo questionou MEC e Inep sobre os processos e a fala do ministro, mas não recebeu respostas até a publicação deste texto. A pasta também nunca respondeu os questionamentos enviados no mês anterior.
O plano de criar uma comissão de revisão ideológica surgiu após o ministro ter afirmado, em outra audiência na Câmara, em 9 de junho, que desistira de conferir pessoalmente as questões do Enem. Aos congressistas, ele não citou, no entanto, que haveria uma nova instância de análise das questões.
O processo no Inep que trata do tema, e onde consta a minuta da portaria, foi criado já no dia seguinte desse encontro na Câmara, em 10 de junho, segundo documentos obtidos pela reportagem. Consta nos registros do Inep que o processo foi concluído no dia 23 do mês passado. Servidores relatam que ele foi engavetado após a repercussão negativa.
A minuta dessa portaria aponta que a nova comissão seria formada pelo presidente do Inep, por um diretor do instituto e outros dois integrantes externos por cada área avaliada pela prova.
Já há fases atuais de revisão de questões e os participantes desse processos são convocados por chamamento público, o que garante a impessoalidade do processo.
A nova portaria daria ao próprio presidente do Inep a liberdade de escolher pessoalmente os participantes externos dessa comissão.
Servidores do instituto ficaram apreensivos com o perfil desse membros. Eles veem como único objetivo da nova instância o controle ideológico da prova.
O embate ideológico é a principal marca da gestão Bolsonaro na área da educação. O governo tem aversão a questões que abordem, por exemplo, qualquer discussão de gênero.
Em 2019, o Inep criou uma comissão que censurou questões. Elogiada pelo presidente Jair Bolsonaro, a ditadura militar (1964-1985), por exemplo, não foi mais abordada no exame. O plano é que essa nova comissão fosse permanente.
O ministro ainda foi questionado na Câmara pela redução de orçamento da pasta, pela ausência federal no apoio às redes de ensino na pandemia e pela decisão do governo ir à Justiça para não cumprir a lei que garante internet a alunos e professores da rede pública.
Como a o jornal Folha de S.Paulo adiantou nesta terça (6), a AGU (Advocacia-Geral da União) foi ao Supremo Tribunal Federal para que o governo federal não repasse os R$ 3,5 bilhões previsto na lei para esse fim.
Essa lei havia sido vetada por Bolsonaro mas o Congresso derrubou o veto. Ribeiro disse que se posicionou a favor do veto e que também foi consultado antes da ação da AGU, mas, segundo ele, o MEC procurava soluções para fazer os repasses.
“Eu e o MEC não somos contra a questão de internet”, disse. “Mas vale a pena ter um pouco mais de cuidado, ter diagnóstico da maturidade das contas a respeito do recebimento desse material e esses recursos. Não trabalhei com a ADIN [Ação Direta de Inconstitucionalidade], pelo contrário. No dia seguinte eu determinei para trabalhar para implementar esses recursos lá na ponta.”
Para argumentar de que não haveria necessidade dos novos recursos previstos na lei, o ministro disse que prefeituras e estados teriam parados em caixa R$ 5 bilhões relativos ao Salário-Educação. Essa é uma contribuição direcionada à área e cujo repasse é automático, sem depender do governo.
Após essa fala, a deputada professora Dorinha (DEM-TO), que preside a comissão, interviu e explicou que valores até maiores que esse estão nos caixas das prefeituras, mas não podem ser usados por estarem atrelados, por exemplo, a obras.
Apesar de o MEC não ter apoiado financeiramente as redes, Ribeiro manteve o discurso de que as aulas presenciais devem ser retomadas imediatamente. “Todos os discursos de não retorno já acabaram, agora chega, temos de retornar. Não podemos privar alunos desse contato. As escolas privadas, de um jeito ou de outro, retornaram”
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