SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O recém-empossado ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, esteve nesta terça-feira (3) no complexo da mesquita Al-Aqsa, em Jerusalém. A visita desencadeou uma crise diplomática e uma onda de declarações contrárias -inclusive do Brasil, refletindo a mudança de tom na diplomacia do novo governo- ao que foi visto como provocação aos palestinos.
“O governo israelense do qual sou membro não se renderá a uma organização assassina vil”, escreveu Ben-Gvir no Twitter. “O Monte do Templo [nome judeu do complexo] está aberto a todos, e, se o Hamas pensa que ameaças vão me deter, entenda que os tempos mudaram. Há um governo em Jerusalém!”
A imagem escolhida pelo ministro para as redes sociais não mostra, mas durante os 15 minutos em que ele caminhou pelo complexo, esteve cercado por uma equipe de segurança com dezenas de agentes. Isso porque a Esplanada das Mesquitas, além de sagrada para judeus e muçulmanos, é tradicionalmente uma região sensível para a delicada relação entre israelenses e palestinos.
De acordo com autoridades de Israel, a visita de Ben-Gvir obedece ao acordo que prevê que não muçulmanos podem visitar a mesquita, desde que não rezem no local. O gabinete do premiê Binyamin Netanyahu, que tomou posse do cargo na semana passada com um time de ministros mais à direita do que nunca, afirmou que ele segue comprometido com os termos desse acordo histórico.
Horas após a visita, o líder da milícia libanesa Hizbullah, Hassan Nasrallah, afirmou que qualquer violação do pacto aumentaria a tensão em toda a região; Israel e Líbano não têm relações formais e, tecnicamente, estão em guerra.
Ben-Gvir já defendeu o fim da proibição da oração judaica no complexo -membros do seu partido ainda o fazem-, mas tem sido mais evasivo sobre o assunto desde que se aliou a Netanyahu.
Como advogado, o agora ministro se especializou em defender ativistas judeus radicais, principalmente em casos ligados a confrontos com árabe-israelenses e palestinos. Ele mesmo foi indiciado várias vezes por incitação ao racismo e fazia parte de um grupo de radicais de extrema direita que rechaça a ideia de tratados com os palestinos -tendo celebrado quando Yitzhak Rabin, idealizador dos Acordos de Oslo, foi assassinado por outro extremista.
“Não haverá discriminação racial em um governo do qual sou membro”, disse Ben-Gvir durante a visita ao complexo, a despeito de seu histórico. “O Monte do Templo é o lugar mais importante para o povo de Israel. Mantemos a liberdade de movimento para muçulmanos e cristãos, mas os judeus também sobem ao local, e aqueles que fazem ameaças devem ser tratados com mão de ferro.”
A Palestina e vários países do Oriente Médio se referiram à visita como ataque ou invasão. O Ministério das Relações Exteriores palestino ressaltou que “vê [o caso] como provocação sem precedentes e uma perigosa escalada do conflito”.
O premiê palestino, Mohammad Shtayyeh, pediu enfrentamento aos “ataques à mesquita de Al-Aqsa” e acusou o Ben-Gvir de encenar a visita como parte de uma tentativa de transformar o santuário “em um templo judaico”. A Jordânia também condenou o episódio “nos termos mais severos”, chamando-o de “violação da santidade” do local, do direito internacional e do “status quo histórico e legal”.
A maior parte da comunidade internacional, incluindo EUA, Rússia, União Europeia e o Vaticano, reconhece a Jordânia como guardiã da Esplanada das Mesquitas, bem como de outros lugares sagrados para cristãos, judeus e muçulmanos. Esse status é fruto de um tratado de 1917, mas é negado por Israel.
Os Emirados Árabes Unidos, com quem Israel assinou um acordo de normalização de relações diplomáticas em 2020, também condenaram o ato. A diplomacia da Arábia Saudita tomou a mesma atitude e, sem citar nominalmente o ministro, chamou a visita de “ação provocativa”, enquanto a do Qatar a descreveu como “um ataque não só aos palestinos, mas a milhões de muçulmanos em todo o mundo”.
A Organização para a Cooperação Islâmica (OIC), que reúne 57 países-membros com expressiva população muçulmana, emitiu comunicado condenando a “incursão do extremista Ben-Gvir” e acusando Israel de agressões diárias contra Al-Quds (nome árabe de Jerusalém).
Nos EUA, um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca afirmou que “qualquer ação unilateral que comprometa o status quo [dos locais sagrados de Jerusalém] é inaceitável”. Diplomatas da França e do Reino Unido fizeram declarações semelhantes.
No Brasil, a nota emitida pelo Itamaraty, agora chefiado por Mauro Vieira, refletiu a mudança no tom que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu à diplomacia do país após anos de alinhamento ferrenho a Israel sob Jair Bolsonaro (PL). O texto destaca que o país “acompanhou com grande preocupação a incursão” de Ben-Gvir.
“Ações que, por sua natureza, incitam à alteração do status de lugares sagrados em Jerusalém constituem violação do dever de zelar pelo entendimento mútuo, pela tolerância e pela paz”, afirma a pasta. “O Brasil reitera seu compromisso com a solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz, em segurança.”
O português António Guterres, secretário-geral da ONU, reforçou por meio de porta-voz que a entidade pede para que “todos se abstenham de medidas que possam aumentar tensões dentro ou nos arredores de locais sagrados”.
Além da declaração contra o Hamas, facção que Israel considera terrorista e que domina a Faixa de Gaza, o ato de Ben-Gvir se insere em um contexto de tensão crescente na Cisjordânia.
Horas antes da visita, soldados israelenses, segundo autoridades palestinas e testemunhas, mataram a tiros um palestino de 15 anos. O Exército de Israel confirmou que “uma pessoa foi atingida” -sem dar detalhes da vítima- em reação a “explosivos, bombas incendiárias e pedras lançadas contra os soldados”.
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