BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Cerca de 1,2 milhão de testes para detecção da Covid-19 venceram em março de 2023 no estoque do Ministério da Saúde. Avaliados em R$ 42,7 milhões, os produtos são do tipo RT-PCR e também servem para o diagnóstico do VSR (vírus sincicial respiratório) e da influenza A e B.
A equipe da ministra Nísia Trindade culpa a gestão Jair Bolsonaro (PL) pelo acúmulo de exames com validade curta. Afirma ainda que não teve acesso a dados sobre os estoques durante a transição de governo.
“Ao assumir, a atual gestão da pasta se deparou com os quantitativos em estoque sem tempo hábil para distribuição e uso, ou sem demanda nos estados”, afirma o ministério da Saúde em nota.
O ex-ministro Marcelo Queiroga disse que “todos os dados foram passados para a equipe de transição”. “Eles sabem disso, inclusive foi assinado termo de confidencialidade.”
Parte dos lotes perdeu a validade no último dia 9, enquanto o resto venceu em 13 de março. A dificuldade de testagem foi uma das marcas da pandemia no Brasil.
Técnicos do ministério fizeram diversos alertas de que faltava planejamento nas compras de exames durante a gestão passada. A Saúde chegou a estocar quase 7 milhões de testes com validade curta no fim de 2020.
Para evitar desgaste, a gestão Bolsonaro tentou enviar os exames prestes a vencer ao Haiti e para hospitais filantrópicos. A Saúde ainda entregou 1,1 milhão de unidades para a USP (Universidade de São Paulo) poucos dias antes do fim da validade.
Integrantes do atual governo dizem que era inviável mandar em poucas semanas os testes aos estados, neste cenário de baixa demanda e de política frágil de testagem.
Ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), o médico Claudio Maierovitch afirma que o governo Bolsonaro não estimulou a testagem.
“As pessoas tinham muita dificuldade para conseguir fazer teste, o que acho que foi intencional, o Ministério da Saúde e o governo tentaram ao máximo evitar que os números viessem à tona”, disse ele.
Para o médico, o ministério perdeu a capacidade de planejamento e a nova gestão assumiu a pasta diante de uma “tela escura”.
“Não havia um sistema adequado de gestão de estoques, de distribuição, de monitoramento.”
Durante toda a pandemia, o ministério enviou cerca de de 32,5 milhões de testes do tipo RT-PCR ao SUS. Considerado “padrão ouro” para o diagnóstico, esse exame é feito em laboratório com amostras coletadas dos pacientes. O resultado é liberado em cerca de 72 horas.
Outros modelos, como testes rápidos de antígeno, são processados no próprio local da coleta e confirmam a contaminação em poucos minutos.A demanda pelos exames RT-PCR caiu nos últimos meses.
No período mais duro da pandemia, o SUS chegou a realizar 2,4 milhões de exames em um mês, em março de 2021. Desde agosto de 2022, a maior procura foi registrada em dezembro, quando foram feitos cerca de 150 mil exames.
Maierovitch ainda defende que o governo estimule os diagnósticos e forneça autotestes a determinados grupos.
“O teste rápido serve para o diagnóstico imediato. Mas ele também deveria servir para gerar um dado de notificação. O RT-PCR, e o sequenciamento, servem para ver quais são as linhagens que estão circulando, se há mudanças no vírus”, disse o vice-presidente da Abrasco.
Os dados de estoques do Ministério da Saúde estavam sob sigilo desde 2018. A gestão Nísia decidiu apresentar a relação de produtos vencidos que já foram descartados ou estão à caminho da incineração, além daqueles que estão sem validade e seguem no estoque.
Todo o estoque válido da Saúde, porém, seguirá escondido por um ano, por decisão do governo Lula. Ou seja, apenas em março de 2024 será possível saber o que havia em estoque no mesmo mês do ano anterior.
Esse tempo de reserva sobre os produtos armazenados passou a existir em 2018, quando o governo Michel Temer (MDB) estava sob cobrança de pacientes por atrasos na entrega de medicamentos. O período em que os dados seriam escondidos era de cinco anos e caiu para dois anos em 2022, sob Bolsonaro.
A Folha de S.Paulo mostrou que 39 milhões de vacinas da Covid-19 venceram durante a pandemia. Ainda foram incinerados, na gestão Bolsonaro, medicamentos de alto custo para doenças raras e 1 milhão de canetas de insulina.
Após a divulgação desses dados, a Procuradoria da República no Distrito Federal determinou a abertura de inquérito civil para apurar se houve irregularidades no descarte de produtos do SUS.
Os produtos vencidos desde 2019 e já incinerados ou que estão encaminhados ao descarte custaram ao menos R$ 2,2 bilhões.
Os testes da Covid estão dentro de outro conjunto de dados, sobre produtos vencidos e que estão no estoque da Saúde. Nesse grupo há ainda roupas de proteção para profissionais de Saúde avaliadas em R$ 136 milhões.
Também há cerca de R$ 37 milhões estocados, sem validade, em produtos usados como bloqueadores neuromusculares. Esse tipo de produto pode ser usado como complemento de anestesia para facilitar a intubação de pacientes.
Em nota, a Saúde disse considerar “inadmissível” o desperdício de produtos do SUS. “A perda de insumos demonstra o descaso da gestão anterior. Ainda durante a transição, foram feitos diversos pedidos de informação sobre o estoque e validade de insumos, todos eles negados”, afirma a pasta.
Questionada sobre manter o sigilo do estoque atual de insumos válidos, a Saúde disse que “reconhece a importância da transparência de informações de interesse público”.
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