BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O derradeiro debate presidencial levado a cabo na Argentina no domingo (12) gerou uma guerra de versões entre o peronista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei sobre quem venceu a discussão. Também cristalizou as estratégias dos dois para convencer o eleitor indeciso na última semana de campanha.
Enquanto o atual ministro da Economia se concentra em desestabilizar e explorar os discursos radicais do rival no passado, o direitista chama o adversário de mentiroso, acusa-o de levar gente ao programa só para tossir e tenta desconstruir o que chama constantemente de campanha do medo feita por publicitários brasileiros ligados a Lula e ao PT.
“Procurem no Google”, repetiu o peronista cinco vezes aos espectadores durante o programa televisivo, que teve mais audiência que a final da Copa Libertadores entre Boca Juniors e Fluminense dez dias atrás. O evento é visto como um fator que pode ter mais peso agora, num contexto de disputa acirrada com leve vantagem para Milei, mas seus efeitos não serão medidos pelas pesquisas, vedadas na reta final.
Massa usou a muleta discursiva para convidar os espectadores a pesquisarem o que o oponente já disse sobre subsídios, aposentadoria, educação gratuita e até sobre as ilhas Malvinas e a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher, líder do Reino Unido durante a guerra entre os dois países e símbolo do liberalismo.
Simultaneamente, suas contas oficiais nas redes sociais soltavam vídeos editados com entrevistas dadas por Milei -algumas antigas e outras nem tanto–, dizendo que eliminaria todos os subsídios, não teria relações com comunistas como a China e o Brasil de Lula e que para ele o melhor modelo era o de educação e saúde privadas.
“Eu convido os espectadores a ver os vídeos inteiros, não os que os brasileiros editam para Massa para fazer campanha negativa”, reagiu Milei, momentos depois estampando uma montagem do adversário com o rosto de Pinóquio na internet para resumir o debate. “Se você fosse o Pinóquio, já teria machucado meu olho”, afirmou durante a discussão.
Na semana passada, ele e seus apoiadores já haviam feito circular uma lista de “fake news sobre Milei”, com a tarja “falso” ao lado de pontos como: venda de órgãos e de crianças, livre porte de armas, privatização da educação e da saúde -apesar de já ter defendido essas bandeiras, Milei hoje diz que elas não fazem parte de seu programa de governo. Também circulam afirmações sobre problemas psicológicos do direitista e sobre seu suposto hábito de falar com cachorros mortos, em referência ao cão que clonou anos atrás. São histórias contadas em sua biografia não autorizada, mas o candidato as nega.
Nesta segunda (13), ele ainda acusou Massa de tentar provocá-lo e mostrá-lo como um desequilibrado em entrevista a rádios locais. O ultraliberal ensaiou um discurso mais agressivo no início do programa, ao falar que o ministro rouba os argentinos com a inflação, mas no geral conteve seu traço combativo no restante das discussões.
Desde que ficou atrás de Massa no primeiro turno, Milei deu um giro moderador em sua campanha. As propagandas em tons de preto e roxo foram clareadas ao azul e branco da bandeira argentina, e a palavra “mudança” passou a ser repetida num aceno à coalizão Juntos pela Mudança, da direita tradicional de Mauricio Macri e Patricia Bullrich, que o apoiaram no segundo turno.
Outra queixa do libertário nesta segunda foi de que o adversário teria levado um “coro de tosse” à faculdade de direito da UBA (Universidade de Buenos Aires), com um público que expectorava a cada vez que ele tinha a palavra. “Sobre a disposição das pessoas, o que fizeram: colocaram ao meu lado as pessoas dele e, quando eu falava, todos tossiam buscando me perturbar”, afirmou.
Mesmo assim, ele disse que se sentiu confortável, foi ganhando confiança ao longo do debate e que “terminou muito bem”. Logo que a contenda acabou, encheu suas redes sociais de “prints” de levantamentos feitos por perfis no X que supostamente indicariam sua superioridade durante o programa.
Na maioria dos meios de comunicação, porém, incluindo os conhecidos pelo tom mais antikirchnerista, Massa foi retratado como o candidato que conseguiu pautar mais a discussão e diminuir mais o oponente. Milei, por outro lado, teria ficado na defensiva e desperdiçado a oportunidade de explorar uma inflação que ultrapassou os 140% anuais nesta segunda sob o comando do ministro.
A avaliação geral é de que o peronista reforçou sua imagem de “político profissional”, com uma carreira de quase 30 anos em gabinetes públicos, e Milei, de outsider “anticasta”. Não está claro, porém, qual das duas personas pode atrair mais votos numa Argentina em crise.