A turbulência no cenário internacional, provocada principalmente pela crise entre Rússia e Ucrânia, até agora passou ao largo do mercado de câmbio brasileiro. Desde o início do ano, o dólar já recuou 9,36% em relação ao real. A moeda americana começou o ano cotada a R$ 5,66, e ontem fechou em R$ 5,05 – queda de 1,07%. É o menor valor desde 1.º julho passado.
A alta dos preços das commodities, que subiram em dólar 13,5% entre a virada do ano e meados deste mês, é o principal fator que explica o fortalecimento da moeda brasileira em relação ao dólar nesse período, segundo o economista Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV/Ibre. Por meio de um modelo, ele acompanha os fatores determinantes da cotação das moedas.
Quando o preço das matérias-primas aumenta em dólar no mercado internacional, países exportadores de commodities recebem mais divisas pelas vendas externas, e a sua moeda se valoriza.
Esse movimento vinha acontecendo com o Brasil e outros países exportadores de matérias-primas. Mas, nos últimos dez dias, o Brasil se destacou em relação a seus pares, observa o economista. E o movimento de perda de valor do dólar em relação ao real se acentuou, porque também o diferencial dos juros, hoje em 10,75%, atraiu forte entrada de recursos externos. Cerca de metade da desvalorização do dólar em relação ao real acumulada neste ano ocorreu só neste mês.
“A entrada de capitais neste ano por meio de investidores em Bolsa e as entradas de divisas relacionadas a exportações acabaram pressionado o dólar para baixo”, afirma Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior.
Ribeiro pondera que o conflito iminente entre Rússia e Ucrânia torna o ambiente mais arriscado, e a tendência em algum momento é de fortalecimento do dólar. “No entanto, outros fatores neste momento se sobrepõem a esse, como aumento das cotações das commodities e os diferencial de juros.”
Apesar desse cenário favorável, especialistas avaliam que a queda do dólar tem fôlego curto. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que esse cenário parece não ser sustentável e que o câmbio não deve ficar nesse patamar ao longo do ano. “Há espaço para depreciação do real por causa do riscos eleitorais que devem aparecer à frente.”
José Augusto de Castro, residente da AEB, lembra que as projeções do mercado ainda apontam para o câmbio a R$ 5,50 no fim deste ano.
Valorização do real não segura inflação e juro
O efeito favorável que a valorização do real em relação dólar poderia trazer para inflação, segurando a alta de preços das matérias-primas, como grãos, carnes, metais, petróleo e derivados nos índices de custo de vida, é limitado, segundo economistas.
Primeiro porque é consenso entre os economistas ouvidos pela reportagem que o real não se mantenha valorizado em relação ao dólar ao longo dos próximos meses em razão dos riscos eleitorais no cenário doméstico. O outro motivo é a alta dos preços em dólar das próprias commodities.
“Do ponto de vista da inflação, o câmbio não deve ajudar tanto assim”, afirma Sergio Vale. Por mais que o câmbio esteja caindo, os preços das commodities estão subindo em dólar e se sustentando em patamares elevados em reais, argumenta.
Na sua avaliação, o Banco Central não deve mudar a estratégia de continuar subindo a taxa básica de juros, hoje em 10,75% ao ano, nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária por causa da recente apreciação do real.
Também na avaliação do economista-chefe da NEO Investimentos, Luciano Sobral, a nova cotação do dólar não deve trazer mudanças na economia nem na inflação. “A alta dos preços ainda vai ser um problema. A valorização do real apenas evita que a inflação seja ainda mais alta.”
José Augusto de Castro diz que “teoricamente” o real valorizado deveria ajudar a inflação porque o custo de componentes importados seria menor em reais. Com isso, não haveria justificativas para elevar preços no mercado interno. No entanto, ele acha difícil prever que o real se mantenha valorizado ante o dólar.
Manufaturados
De toda forma, se esse cenário do real valorizado em relação ao dólar se mantiver, o impacto mais visível na economia brasileira deverá ocorrer nas exportações de produtos manufaturados, segundo Castro.
Ele lembra que no ano passado o comércio exterior brasileiro atingiu vários recordes. As exportações totais do País foram recordes, o superávit comercial e a corrente de comércio também. O único resultado negativo da balança foi o saldo de produtos manufaturados, que apresentou déficit de US$ 111 bilhões. “É um número muito alto”, diz Castro.
Com o real ganhando, a cada dia, força em relação ao dólar e esse movimento tendo continuidade, a perspectiva é de que essa situação se agrave, alerta o presidente da AEB.
Ao ter mais dificuldade para exportar produtos manufaturados, de maior valor na balança comercial, e tendo as importações facilitadas por causa do real valorizado, Castro observa que o País, na prática, acabará “importando desemprego e exportando empregos”. “Poderemos ter em 2022 um ano mais negativo para a exportação de manufaturados.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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