Mesmo com inverno cripto, mercado de tokenização de ativos segue atraindo novos interessados

LUCAS BOMBANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A despeito do inverno cripto atravessado pelo bitcoin e seus pares ao longo dos últimos meses, o mercado de tokens, ou de criptoativos -que, diferentemente das criptomoedas, possuem lastro em algum ativo real-, tem atraído interesse crescente de empresas e investidores.

No dia 14 de julho, o Itaú lançou uma unidade própria de criptoativos, que tem como objetivo tokenizar títulos de renda fixa e ações negociadas no mercado, de modo a tornar mais acessível alternativas hoje restritas a investidores de elevado patrimônio.

Além disso, na segunda quinzena de julho, a plataforma do setor educacional Pravaler se tornou a primeira empresa do segmento a fazer uma emissão de dêbenture tokenizada no mercado local, ao captar cerca de R$ 60 milhões na operação.

“Esse é mais um passo no movimento de trazer o futuro para o presente do mercado financeiro”, afirma Juliano Cornacchia, CEO da Vórtx QR Tokenizadora, empresa responsável pela operação de tokenização das debêntures da Pravaler.

No mercado local, já há casas que atuam há alguns anos na área de tokenização de ativos reais, convertendo-os em NFTs, sigla em inglês que significa Non-fungible Token (Token não fungível, em português), como a MB Tokens, braço do Mercado Bitcoin voltada para o segmento, e a Hurst Capital.

Essas empresas tokenizam e oferecem aos investidores em pequenas frações tudo que se possa imaginar, desde que possua algum ativo real por trás que sirva como lastro -de cotas de consórcios a contratos de comercialização de energia, passando por obras de arte, royalties musicais e até a venda de estrelas do futebol como Neymar e Gabriel Barbosa.

Esses contratos das mais diversas naturezas são registrados na rede blockchain e fracionados, para, em seguida, serem oferecidos a preços acessíveis nas plataformas de negociação de criptoativos aos investidores.

Nova renda fixa digital
Segundo Vitor Delduque, diretor de novos negócios da MB Tokens, de forma simplificada, o token nada mais é do que um contrato digital registrado na rede blockchain que representa o direito financeiro sobre o ativo que lastreia aquele contrato.

“É uma fração digital daquele ativo real”, diz Delduque, que até o final do ano passado era vice-presidente da gestora de recursos Pátria. Ele afirma que optou por seguir seu caminho no universo cripto pelas oportunidades que enxerga no segmento para os próximos anos.

Entre os tokens negociados pela plataforma, o diretor cita cotas de consórcios adquiridas junto a instituições financeiras como Santander e Banrisul, no qual o investidor passa a ter o direito de recebimento dos pagamentos daquela fração de determinado consórcio, bem como contas a receber de empresas do setor de varejo, em que a MB Tokens adquire a carteira de créditos devidos pelos clientes com algum deságio, tokeniza e vende para os clientes.

A empresa movimentou cerca de R$ 180 milhões em tokens desde que iniciou as atividades, em 2019.

A taxa de remuneração varia de acordo com o nível de risco e o prazo de vencimento das operações, mas, segundo Delduque, é comum encontrar rendimentos prefixados na casa dos 18% ao ano nos negócios realizados pela MB Tokens, ou que pagam uma taxa fixa em torno de 12% ao ano, além da variação do IPCA no período de vigência do contrato.

Essas são operações que podem ser caracterizadas como uma espécie de “renda fixa digital”, em que o investidor já sabe no momento da compra o quanto terá de rendimento com aquele investimento, diz o diretor, acrescentando que os investimentos mínimos costumam ser de R$ 100 na plataforma.

“É inverno para as criptmoedas, mas verão para os criptoativos”, afirma Delduque, que diz que tem notado uma migração de investidores até então mais focados em criptomoedas para o mercado digital com lastro em ativos reais, que, justamente por contarem com ativo real por trás da operação, oferecem uma segurança maior que as criptomoedas, defende.

Ele diz ainda que há também criptoativos com características que se assemelham mais com a dinâmica das ações negociadas em Bolsa.
É o caso de tokens que possuem como lastro o direito de recebimento de valores originados pela venda de jogadores profissionais de futebol -pelas regras da Fifa, quando um jogador é negociado no mercado, o clube que atuou em sua formação como atleta entre os 12 e 23 anos tem direito a uma parcela de 5% do valor movimentado.
Em outubro do ano passado, o Mercado Bitcoin lançou em parceria com o Santos o “Token da Vila”.

O ativo digital tem como lastro o direito que a agremiação da Vila Belmiro possui sobre 12 jogadores que formou em suas categorias de base. Entre os jogadores no grupo, estão estrelas como os atacantes Neymar Jr., do PSG, Gabriel Barbosa, do Flamengo, e Rodrygo, do Real Madrid.

Foram emitidos cerca de 600 mil tokens, que totalizaram uma oferta de R$ 30 milhões ao mercado.

Nesse caso, o rendimento ao qual o detentor do token terá direito vai depender, primeiro, de os jogadores virerem de fato a ser negociados no futuro, e, segundo, por qual valor, explica Delduque.

Em maio, os investidores do token do Santos receberam o primeiro pagamento referente ao ativo, correspondente à transação envolvendo o atacante Yuri Alberto, vendido pelo Internacional para o Zenit, da Rússia. O total de recursos distribuído proporcionalmente aos detentores do token somou aproximadamente R$ 1,6 milhão.
Tokens de royalties musicais e obras de arte

Na plataforma de tokenização Hurst Capital, o investidor consegue investir em criptoativos que têm como lastro desde precatórios e ações judiciais, passando por royalties de música e até obras de arte.
Tokens lastreados em royalties musicais do cantor Toquinho (“Aquarela”, “Tarde em Itapoã”, “A Tonga da Mironga do Kabulet”ê, “O Caderno”) e Paulo Ricardo (“Rádio Pirata”, “Olhar 43”, vinheta do Big Brother Brasil), já foram comercializadas pela plataforma da Hurst, com investimentos mínimos que começam a partir de R$ 10 mil.

“A opção de negociar seus recebíveis é algo saudável e aquece os negócios. Quanto mais opções temos na vida, melhor. Isso agita o mercado e incentiva o compositor”, disse Toquinho em comunicado no qual a Hurst anunciou a operação em maio deste ano.

Os rendimentos estimados com os royalties musicais variam de 12% a 16% ao ano, com o retorno oriundo das execuções das músicas em rádios e plataformas de streaming, e a posterior revenda dos direitos autorais ao final do prazo de vigência do investimento, que costuma variar de 36 a 78 meses.

Royalties de músicas de forró, funk, axé e até hits do TikTok também já foram comercializados via tokens por meio da Hurst.

Além do setor musical, obras de arte, como do artista plástico Abraham Palatnik, também já foram negociadas pela plataforma, com taxas de remuneração que chegaram a alcançar a marca de 27% ao ano.

As estimativas iniciais da própria Hurst indicavam uma rentabilidade na ordem dos 17% com o investimento nas três obras tokenizadas de Palatnik, falecido em 2020 vítima de Covid-19, com um prazo de 24 meses para a venda das obras no mercado de modo a alcançar o retorno projetado.

Diante da demanda aquecida no mercado de arte, contudo, o prazo foi reduzido pela metade, com o encerramento da operação em junho de 2022, cerca de 12 meses após a oferta, e com um rendimento 10 pontos percentuais acima do estimado inicialmente.
“A tokenização serve para facilitar a distribuição dos investimentos originados pelos parceiros da Hurst”, diz Arthur Farache, CEO da Hurst. “A tokenização é uma realidade que fará cada vez mais parte da vida de todos os cidadãos.”

Ele acrescenta que está nos planos iniciar um pouco mais à frente a negociação via tokens de ativos financeiros tradicionais, como debêntures e ações emitidas por empresas que queiram explorar as oportunidades do mercado digital. Desde o início das operações, em 2019, a Hurst movimentou cerca de R$ 1 bilhão com a negociação dos criptoativos.

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