SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos maiores exercícios militares desde o fim da Guerra Fria, realizado pela Rússia e envolvendo tropas da Belarus, colocou em alerta a Otan (aliança militar do Ocidente).
O Zapad (Oeste, em russo) ocorre a cada quatro anos, de forma previsível, em rotação do Distrito Militar Ocidental russo com o Meridional, o Central e o Oriental. Ele envolve 200 mil homens neste ano, e sempre inclui os belarussos -10 mil agora.
Mas a crise envolvendo a ditadura de Minsk, que desde agosto de 2020 endureceu a repressão política após protestos contra mais uma eleição fraudada, mudou o patamar da tensão.
A pressão ocidental sobre o regime de Aleksandr Lukachenko cresceu, e a Belarus chegou a interceptar um avião comercial irlandês para prender um dissidente a bordo.
Países do Leste Europeu na Otan reforçaram suas defesas, e a tensão escalou ainda mais quando a União Europeia acusou Belarus de usar imigrantes ilegais como armas, permitindo a invasão das fronteiras da Lituânia e da Polônia por meio de seu território.
Com tudo isso, Vladimir Putin pôde fazer avançar um de seus sonhos geopolíticos, o de ver a Belarus totalmente integrada à Rússia, como nos tempos soviéticos e dos czares. O principal obstáculo a isso sempre foi Lukachenko, desde 1994 no poder.
Com o ditador enfraquecido, o Zapad-2021 virou mais um instrumento de envolvimento russo. No domingo (13), Lukachenko confirmou que irá comprar US$ 1 bilhão em armas russas, provavelmente sistemas avançados de defesa antiaérea S-400, um dos terrores da Otan.
Mais importante, há a expectativa entre observadores russos como Konstantin Frolov, analista político que trabalha para um banco de investimentos em Moscou, de que parte dos 2.500 soldados do Kremlin que estão em solo belarusso fiquem por lá -assim como talvez alguns de seus sistemas de armas.
Nos outros anos, como na polêmica edição de 2017 do Zapad, Lukachenko resistiu a isso. Mas o clima político mudou.
A escala dos exercícios, que costuma ser relativizada por analistas e exagerada por políticos, é de todo modo enorme, e seu desenho, feito para assustar mesmo o Ocidente.
São 9 campos de treinamento na Rússia, 5 na Belarus e ações no mar Báltico, região que concentra 40% dos 2.900 incidentes entre russos e ocidentais entre 2019 e 2020, segundo levantamento de uma dupla de pesquisadores militares americanos.
No país de Lukachenko, o total de soldados será de 12.800, um número esperto: fica logo abaixo dos 13 mil que obrigam a presença de observadores da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), entidade da qual Moscou e Minsk fazem parte.
Em todas as simulações, o Kremlin informa que limita a 6.400 o número de militares envolvidos em cada ação. A Otan se queixou na sexta (10), dizendo que isso prejudica a transparência, enquanto governos como o da Polônia protestaram pelo belicismo na fronteira.
Até aqui, o maior exercício pós-Guerra Fria havia sido o Vostok (Oriente)-2018, com 300 mil homens, embora analistas tenham colocado em dúvida tal escopo por equivaler a um terço da forças russas.
Mais aferível, o maior exercício da Otan no período foi em 2018, com 40 mil militares espalhados pela Europa. A aliança tem aumentado visivelmente o seu número de manobras em ponto de atrito, como o mar Negro.
No Zapad, de 10 a 12 de setembro foi simulado um ataque vindo do oeste. De 13 a 16, é a vez do contra-ataque e da retomada de territórios. É autoexplicativo. Um foco óbvio, numa guerra verdadeira, seria o chamado corredor de Suwalki, a fronteira de 65 km entre Lituânia e Polônia que separa a Belarus do território russo ocidental de Kaliningrado, no Báltico.
Estão envolvidos 80 aviões, 760 tanques, milhares de blindados, 15 navios e sistemas diversos como o S-400 e mísseis balísticos Iskander-M.
Mais importante, são testadas a capacidade de reação, mobilização e o uso de novas tecnologias em campo, além do imagéticos disparos de tanques, helicópteros, caças e navios de guerra que garantem a propaganda externa.
Nunca é divulgado, mas analistas afirmam que há uma fase final mais secreta do exercício, simulando ataques nucleares táticos para decidir a guerra –sem uma escalada estratégica, daquelas de acabar com o planeta, como poderia ocorrer na vida real.
O Kremlin sempre usa seu megaexercício anual de forma política. No ano passado, mobilizou 80 mil homens para o Cáucaso-2020 em meio à crise entre Armênia e Azerbaijão, e testou armas como o míssil de cruzeiro Kalibr.
Já a China, com que fez manobras militares inéditas no mês passado por envolver uso conjunto de armamentos, é participante assídua dos exercícios próximos à sua esfera de influência, como o Vostok.
Neste ano, a tensão está mais alta do que o comum junto à Europa também devido à crise entre Rússia e Ucrânia. Em abril, Putin enviou 150 mil soldados para exercícios próximos à fronteiras ucranianas, para dissuadir Kiev de tentar retomar militarmente as áreas pró-russas comandadas por rebeldes desde 2014.
A relação entre os vizinhos é péssima desde aquele ano, quando um golpe derrubou o governo pró-Kremlin na Ucrânia, levando a Rússia a anexar a Crimeia. Neste ano, Putin anunciou 20 novas bases militares direcionadas ao Ocidente, acusando a Otan de provocação.
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