BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou nesta quinta-feira (27) que as medidas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm foco estrutural e que o impacto dessas iniciativas sobre suas próprias projeções ainda será analisado.
“A minha visão é que são medidas que estão conversando menos com o momento do ciclo da política monetária. A questão do Imposto de Renda fazia parte do programa de governo do presidente Lula. Quando olho para o consignado [privado], me parece ser uma medida que se insere numa lógica estrutural”, disse.
As declarações foram dadas por Galípolo na sua primeira entrevista a jornalistas desde que assumiu o cargo de presidente do BC, em janeiro. Em dezembro do ano passado, ele participou do evento ao lado de seu antecessor, Roberto Campos Neto, simbolizando a transição de comando do BC -a autonomia formal da autarquia entrou em vigor em 2021.
Em meio à queda de popularidade de Lula, foram apresentadas medidas de estímulo à economia, como o novo consignado para trabalhadores do setor privado e proposta de ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês.
As propostas de expansão fiscal anunciadas pelo governo são motivo de preocupação dos agentes econômicos, afetando os preços dos ativos e as expectativas de inflação, que se deterioraram para prazos mais longos.
Na ata do último Copom (Comitê de Política Monetária), o colegiado do BC voltou a defender a necessidade “de políticas fiscal e monetária harmoniosas”.
“O esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia [aquela que não estimula nem desestimula a economia]”, afirmou.
Segundo Galípolo, o impacto do novo consignado para trabalhadores do setor privado ainda não foi incorporado pelo BC em suas projeções e os dados estão sendo consumidos com “parcimônia” porque existem dúvidas com relação à magnitude desse impacto diante da grande variação das estimativas.
“Há muita dúvida sobre o quanto isso representa um fluxo de crédito novo, o quanto representa uma substituição de dívida nova por velha e também como isso vai se desdobrar no tempo”, afirmou.
Até as 17h da última terça-feira (25), R$ 340,3 milhões foram concedidos no novo modelo, com 48 mil contratos fechados e valor médio de R$ 7.065,14 por trabalhador. Ainda que o empréstimo consignado CLT tenha entrado em vigor no dia 21, ele ainda não é ofertado em massa pelos grandes bancos. A expectativa é que as maiores instituições do país ofereçam o novo produto de forma consistente apenas em 25 de abril.
Com relação à política de juros, Galípolo afirmou que o Copom colocou a taxa básica (Selic) em um patamar “contracionista [que freia a economia] com alguma segurança” mesmo para um cenário em que o juro neutro mais alto.
Na semana passada, o Copom elevou a Selic em um ponto percentual, a 14,25% ao ano. O colegiado do BC também antecipou que, em maio, a escalada de juros deve continuar, mas com um movimento de menor intensidade.
Depois da mais recente alta da taxa básica, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) isentou Galípolo pelo choque de juros dado pelo BC e disse que a nova cúpula tem uma herança da gestão anterior, do ex-presidente Roberto Campos Neto, para administrar.
“Você não pode, na presidência do Banco Central, dar um cavalo de pau depois que assumiu [o cargo]. Isso é uma coisa muito delicada. Um novo presidente, com os novos diretores, eles têm uma herança a administrar, mais ou menos como eu tive uma herança a administrar em relação ao Paulo Guedes”, disse Haddad em entrevista ao programa Bom dia, Ministro, da EBC (Empresa Brasil de Comunicação).
Em dezembro, ainda na gestão de Campos Neto, o colegiado do BC prometeu duas altas de um ponto percentual nas reuniões de janeiro e março -já sob o comando de Galípolo. A estratégia se materializou na última semana.
Questionado sobre a fala de Haddad, o chefe da autoridade monetária reforçou que há unanimidade entre os membros do colegiado e que, no Brasil, há um estranhamento em relação à convivência de juros elevados e atividade econômica dinâmica.
“Eu tinha dito em dezembro que o Roberto [Campos Neto] tinha sido generoso já na última reunião, permitindo que eu pudesse assumir um papel de maior protagonismo. Todos os diretores têm autonomia. As decisões têm sido unânimes já há algum tempo”, disse. “Não cabe a mim fazer comentários sobre as falas do presidente [Lula] ou do ministro [Haddad]”.
Segundo Galípolo, a discussão envolve retomar a discussão de por que no Brasil historicamente há necessidade de “doses maiores do remédio” de juros. “Não tem bala de prata, dialoga com a ideia de cavalo de pau, vai precisar revisitar uma série de pontos, fazer reformas para permitir passagem do mecanismo de transmissão da política monetária mais desimpedida.”