BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Até o dia 20 de agosto, o governo Jair Bolsonaro não havia gasto nenhum centavo dos R$ 220 milhões reservados para o programa Educação Conectada, que busca levar internet para escolas públicas.
Dificuldades de conexão estão entre os principais entraves para o ensino híbrido, aposta das redes de ensino na retomada de aulas presenciais.
Um quarto das escolas públicas brasileiras não tem acesso à internet e, mesmo entre aquelas com conexão, poucas têm velocidade adequada para o uso pedagógico de professores e alunos.
Procurado, o MEC (Ministério da Educação) não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O governo Bolsonaro já vetou proposta que garantia internet a alunos pobres e, depois da derrubada do veto pelo Congresso, brigou na Justiça para não investir R$ 3,5 bilhões previstos na lei.
Além disso, a atual gestão editou uma medida provisória que alterou a lei e retirou prazos para esse investimento.
Com a inação do Executivo, especialistas veem nas contrapartidas do edital de implementação do 5G possibilidades reais de tirar 19.782 escolas de uma espécie de apagão de conectividade, além de ampliar a velocidade na grande maioria dos colégios.
O Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) também é elencado como fonte de recurso.
Além de fugir da obrigação de novos investimentos durante a pandemia, o MEC tem patinado nos investimentos de programas já existentes que buscam garantir internet. O Educação Conectada é um exemplo.
A execução do programa tem sido inconstante desde 2019. No primeiro ano de governo Bolsonaro, apenas 40% dos recursos orçados foram executados, chegando ao total de R$ 85 milhões, contra R$ 117 milhões do ano anterior.
O ano passado foi mais positivo. No entanto, o maior volume de gastos ocorreu apenas no fim do ano, com a execução de rubricas não executadas em anos anteriores -o chamado RAP (restos a pagar). Foram gastos R$ 240 milhões, sendo 64% de RAP.
Neste ano, nenhum centavo do orçamento novo nem sequer foi empenhado, segundo dados oficiais. Houve, no entanto, a execução de R$ 20 milhões em 2021 no programa, tudo de recursos referentes a restos a pagar.
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, já fez até pronunciamento na TV, em julho, para defender a volta presencial às aulas, mesmo com o MEC ausente no apoio a redes de ensino.
Uma pesquisa realizada pela Undime (que reúne secretários municipais de Educação) apontou que a falta de internet é o maior entrave para o retorno.
Ao defender o veto da proposta que previa gasto de R$ 3,5 bilhões, Ribeiro criticou a legislação dizendo que não haveria indicação de fonte dos recursos. Mas a legislação citava o Fust como uma das origens.
O fundo é abastecido por um percentual da receita de empresas de telecomunicações e, desde 2000, R$ 22,6 bilhões foram arrecadados, mas só uma parte desses recursos foi utilizada –o governo federal sempre aproveitou o caixa para engordar o superávit primário.
Uma alteração na lei do Fust, do ano passado, tornou obrigatório o uso dos recursos para conexão de escolas. Estima-se que o fundo garantiria cerca de R$ 150 milhões por ano para o setor, caso fosse totalmente investido nesse objetivo.
Levar conexão às escolas envolve uma série de desafios. O mais complicado é nos 1.254 municípios que ainda não têm infraestrutura de conexão.
Por isso, há grande aposta no edital de 5G, ainda em discussão. Na semana passada, o TCU (Tribunal de Contas da União) estabeleceu que o programa de conexão das escolas públicas do país será uma contrapartida das empresas que arrematarem no leilão uma das faixas de frequência.
Ainda inexplorada e destinada à banda larga em uma frequência de ampla cobertura, essa faixa, de 26 GHz, está avaliada em R$ 6,3 bilhões. A previsão é que o tribunal volte a analisar o edital nesta semana.
Essa era a única das faixas a serem leiloadas que não continham nenhuma contrapartida na minuta original. Não há garantia que essa frequência atraia interessados no leilão, mas parlamentares viram essa inclusão como uma vitória para a educação.
O governo não queria incluir as escolas nas contrapartidas porque dizia que isso poderia atrasar o edital.
“Foi uma demanda da Frente de Educação. Percebemos que o governo tem sido muito arredio à ideia de oferecer internet e tem lutado contra as decisões do Congresso. Não teríamos outra chance como essa”, diz o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação.
“E ainda tem o entrave de o governo não querer que o recurso do Fust deixe de ser somado como superávit e seja colocado como gasto”, afirma.
Ligar a internet na escola é só uma parte do desafio. Apenas 7% das unidades têm conexão dentro de parâmetros de velocidade estabelecidos pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) com relação ao número de alunos.
Mas, além disso, só 3% das escolas públicas brasileiras têm internet no padrão internacional, explica a gerente de Conectividade da Fundação Lemann, Cristieni Castilhos. Esse padrão é de 1 Mbps por aluno.
A média no Brasil, por sua vez, é de uma conexão de 17 Mbps por escola. O que não permite que professores façam uma chamada de vídeo com alunos, por exemplo. E ainda há abismos regionais -essa marca não chega a 11 Mbps no Norte, e alcança 29 Mbps no Sudeste.
“Mesmo os 75% de escolas com acesso têm qualidade que não permite que o aluno use para aprender”, diz Castilhos.
“No processo de pandemia, em que se tem um desafio gigante, a tecnologia pode ser aliada para acelerar o processo de aprendizado, seja para reabrir as escolas no modelo híbrido, seja para os próximos anos, em que vamos precisar de escolas conectadas.”
A lei do PNE (Plano Nacional de Educação), de 2014, previa que até 2019 todas as escolas tivessem conexão banda larga, mas a meta foi desrespeitada.
Em nota, o Ministério das Comunicações, à frente do edital de 5G, afirmou que “a disponibilidade de redes modernas de banda larga será reforçada, significativamente, em termos de abrangência e qualidade, com a execução dos compromissos de investimentos associados à licitação que viabilizará o início da operação do 5G no Brasil”.
A pasta citou que, por meio do programa chamado Wi-Fi Brasil, provê acesso à internet a 10.013 escolas públicas. Trata-se de internet por satélite, com velocidade reduzida.
O ministério também mencionou o PBLE (Programa Banda Larga nas Escolas), que atenderia 65.282 escolas.
Neste ano, até agora, somente 24 escolas foram conectadas por meio do PBLE, segundo dados obtidos pela Folha de S.Paulo por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).
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