MEC envia caso de fraude no Enade à procuradoria quatro meses após fim do processo

O governo Jair Bolsonaro reabriu um processo sobre a atuação do ministro da Educação, Milton Ribeiro, em favor de uma instituição presbiteriana suspeita de fraude no Enade 2019. O caso será enviado ao MPF (Ministério Público Federal).

O ato ocorre quase quatro meses após um procedimento interno de investigação ter sido encerrado pela equipe do ministro, de forma positiva à instituição, conforme revelado pela Folha.
O MEC (Ministério da Educação) garantiu em nota pública que a apuração, finalizada em janeiro, seguira todos os critérios técnicos.
No entanto, a pasta oficializou, somente agora, atos que haviam sido determinados no ano passado: desde outubro havia indicação de envio do caso ao MPF, à Polícia Federal e, em novembro, de abertura de sindicância.

A fraude teria ocorrido no curso de biomedicina da Unifil, de Londrina (PR), a partir do vazamento da avaliação do ensino superior. Investigação do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) concluiu haver fortes indícios, sobretudo estatísticos, de fraude após a coordenadora da graduação ter tido acesso à prova e às respostas com antecedência.

A Folha revelou no início do mês que Ribeiro protelou o envio do caso à PF, recebeu os controladores da instituição, viajou duas vezes a Londrina no meio do processo e determinou que seu próprio secretário de Regulação acompanhasse uma visita de supervisão –que absolveu a instituição.

A Unifil é presbiteriana, assim como o ministro, que é pastor. Por esse motivo, Ribeiro teria ameaçado de demissão lideranças do Inep caso a investigação fosse levada à esfera criminal.

Na época, o órgão era presidido por Alexandre Ribeiro Lopes. Ele foi demitido em fevereiro e substituído por Danilo Dupas Ribeiro, o antigo secretário de Regulação que fora enviado à Unifil pelo ministro para acompanhar o processo de supervisão.

É inusual que o próprio secretário participe desse procedimento. Foi a única viagem oficial que ele fez nos seis meses em que respondeu pela área.

O Inep havia preparado uma minuta de ofício para mandar à PF ainda em julho de 2020, mas nunca foi enviado. O MEC só mandou informações à polícia em fevereiro deste ano, após ter encerrado o processo de forma favorável à Unifil.

Documentos sigilosos do processo, aos quais a Folha teve acesso, mostram que a necessidade de encaminhar o caso também para o Ministério Público Federal fora registrada em outubro.

“Por imposição legal, deve a autarquia comunicar os fatos, com a devida urgência, ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal”, diz trecho de um despacho de 29 de outubro, assinado pela Procuradoria do Inep.

Três pessoas do alto escalão envolvidas com o tema confirmaram à reportagem a atuação do ministro para que o caso não chegasse à esfera criminal. O recado teria sido dado pelo secretário-executivo da pasta, Victor Godoy Veiga.

Um ofício só foi encaminhado ao MPF em 17 de maio pelo Inep, com os dois processos que tramitam no instituto. Também foi anexado o entendimento final do MEC que absolveu a Unifil.

No mesmo dia, o instituto determinou criação de uma comissão de investigação interna para apurar suposta participação de servidores nas irregularidades. A obrigação de sindicância já havia sido determinada em um parecer interno de 9 novembro.

Questionado, o MEC e Inep não responderam por que só agora houve essas decisões. A pasta refutou, em nota anterior, que tenha havido protelamento das investigações.

O ofício do Inep foi remetido ao MPF no Distrito Federal para, a partir dos indícios, apurar possíveis crimes sobre o vazamento do exame. O próprio Inep concluiu que era estatisticamente improvável o desempenho do curso de biomedicina da Unifil.
Em algumas questões, todos os alunos gabaritaram, enquanto o nível de acerto não atingiu 40% nos cursos com nota máxima no Enade. A coordenadora da graduação teve acesso adiantado às questões porque fez parte da equipe contratada pelo governo para elaborar a prova.

O Enade é realizado por formandos. O resultado compõe indicadores de qualidade e impacta a regulação –desempenhos ruins podem provocar o fechamento do curso.

A Unifil não respondeu aos questionamentos enviados desde o dia 27 de abril.

Já a PGR (Procuradoria-Geral da República) tem uma apuração interna preliminar sobre a atuação do ministro. A bancada do PT na Câmara encaminhou o pedido de investigação contra Ribeiro com base nas publicações da Folha.

A solicitação aponta que teria havido crime de prevaricação e, no campo da improbidade administrativa, violação de princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A Unifil tem ligação com a Igreja Presbiteriana Central de Londrina. O chanceler da Unifil é o pastor Osni Ferreira, líder dessa igreja –seu irmão Eleazar Ferreira é o reitor.

O ministro e Osni Ferreira tem amizade de longa data. Os irmãos foram recebidos por Ribeiro em seu gabinete em 2 de setembro, quando o processo já estava adiantado.

No dia 26 daquele mês, um sábado, Ribeiro viajou a Londrina, sem assessores da pasta, para visitar a Unifil. Deu uma aula e concedeu entrevista com elogios à instituição.

O ministro ainda voltou a Londrina em 22 de novembro, um domingo. Participou de dois cultos ao lado do pastor Osni.
No dia seguinte, chamou uma reunião, fora da agenda pública, para tratar do tema da Unifil. A convocação para o encontro, com a cúpula do MEC e do Inep, em 23 de novembro, tinha o título “ENAD-UNIFIL (Biomedicina)” [sic].

O caso ganhou repercussão no Congresso.
Além de o PT exigir investigação, os deputados Idilvan Alencar (PDT-CE), Tabata Amaral (em processo de desfiliação do PDT), Bacelar (Pode-BA), Danilo Cabral (PSB-PE), Felipe Rigoni (PSB-ES), Professor Israel (PV-DF) e general Peternelli (PSL-SP) fizeram requerimentos de informações sobre o caso.

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