SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Olhando para trás, até podemos pensar: Poxa, havia tão poucos casos de Covid… Não podíamos ter esperado mais para fechar?”
Quase dois anos após o fechamento das escolas, em março de 2020, Rossieli Soares, 43, secretário de Educação de São Paulo, reflete, nesta entrevista à coluna, sobre as decisões tomadas no calor das incertezas da Covid-19. Fala também sobre as consequências de se ter mantido crianças e jovens fora das escolas por tanto tempo. No aprendizado, ele admite, os prejuízos são “catastróficos”. E, para a saúde mental, não foi menos grave: “Estamos vendo o aumento da depressão e da ansiedade”.
Rossieli critica as prefeituras que ainda não abriram escolas, como a de São Roque (SP). “É um absurdo, inaceitável. Mostra a falta de competência.” Ex-ministro da Educação no governo Temer (2018) e ex-secretário de Educação do Amazonas (2012-16), não confirma especulações de que pode disputar eleições. Mas também não as nega e afirma ter sido incentivado a isso “por muita gente”. “Quando a minha missão estiver cumprida pela educação de São Paulo vou analisar que direção a minha vida deve tomar junto à minha família e aos amigos”. Leia a entrevista a seguir.
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Pergunta – Finalizamos o segundo ano da pandemia, e a realidade é a de que a maior parte dos alunos em São Paulo só voltou a ter aulas normalmente em outubro, ou seja, 1 ano e 9 meses após o fechamento das escolas. Olhando em retrospectiva, não dava para ter acelerado esse retorno à normalidade?
Rossieli Soares – Em 13 de março de 2020, nos reunimos com os especialistas da saúde, porque, naquele dia, havia sido confirmado o primeiro caso de transmissão comunitária. Foram muitas dúvidas, muitas perguntas, muitas incertezas. Olhando hoje para trás, até podemos pensar: “Poxa, havia tão poucos casos… Não poderíamos ter esperado mais tempo para fechar?” Mas, naquele momento, a gente não entendia a doença. Não tínhamos informações.
Além de tudo, foi uma batalha de combate à desinformação e às fake news. Falas irresponsáveis, como a de um matemático que projetou a morte de 17 mil crianças caso as escolas fossem reabertas, o que rapidamente viralizou na imprensa, causaram pânico nos pais. Mudar a mentalidade das famílias foi um trabalho duro e longo.
Esse contexto todo atrasou demais o retorno à normalidade. Para se ter uma ideia, quando colocamos o retorno presencial obrigatório para os alunos em outubro e o fim do distanciamento de um metro em novembro, havia uma enxurrada de pessoas dizendo que só poderiam voltar quando todas as crianças estivessem vacinadas e que não teria efeito voltar em novembro, quando o ano letivo terminaria em pouco mais de um mês. E o que vimos foram escolas lotadas mesmo aos sábados, para a reposição de aulas, e relatos de educadores falando que nunca tiveram uma presença tão massiva dos responsáveis em dia de reunião de pais, na escola.
Por fim, sempre defendi que a pergunta nunca foi sobre voltar ou não com as aulas presenciais, mas, sim, sobre o que deveríamos fazer para essa volta.No primeiro ano da pandemia, houve a pesquisa da Secretaria de Educação de São Paulo, em parceria com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e a Universidade de Zurique, apontando que, com o ensino remoto, os alunos da rede paulista haviam tido um aprendizado 70% abaixo do esperado.
Que dados há sobre o impacto do fechamento das escolas no aprendizado dos alunos nesses dois anos?
RS – Logo após o início do ano letivo de 2021, aplicamos uma avaliação amostral aos estudantes semelhante ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do governo federal, que nos possibilitou comparar os resultados com as avaliações anteriores. Os resultados, divulgados em abril, foram absolutamente catastróficos [no 5º ano, por exemplo, o desempenho dos alunos em matemática foi 46,4% inferior ao de antes da pandemia e, em língua portuguesa, 29,6%]. Em novembro aplicamos o Saeb e, em dezembro, o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Com os resultados dessas duas avaliações, que devem ser tão piores quanto os das provas que aplicamos no início deste ano, teremos a dimensão do prejuízo causado por esses dois anos de pandemia aos alunos da rede estadual de São Paulo.
O Estado de São Paulo tem informações sobre o impacto do fechamento das escolas no aspecto socioemocional e na saúde mental dos alunos?
RS – Em maio, apresentamos um estudo realizado pela Secretaria de Educação, em 2019, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, sobre a percepção que os estudantes têm em relação às habilidades socioemocionais. Foi importante termos feito esse mapeamento antes da pandemia. Neste ano, ao final de cada bimestre, os estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e os do ensino médio responderam a um questionário online que envolve as competências socioemocionais agrupadas em cinco: amabilidade, engajamento com os outros, abertura ao novo, autogestão e resiliência emocional. Estamos vendo o aumento de situações de depressão e ansiedade com impactos à saúde física (associados ao maior tempo de inatividade, uso de telas, alterações no padrão do sono e de dieta) e ao emocional (associado à falta de contato social, ao medo de contágio). E essa autoavaliação é um instrumento importante, pois os estudantes têm a oportunidade de acompanhar os próprios desenvolvimentos socioemocionais para que possamos manter o apoio aos projetos de vida de cada um, principalmente neste momento de retorno às aulas presenciais.
Mesmo com a volta obrigatória decretada pelo Estado, há prefeituras que optaram por não reabrir as escolas municipais até 2022. O que o sr. acha disso?
RS – É um absurdo, absolutamente inaceitável. Mostra a falta de competência. Um gestor público que não enxerga a importância das escolas abertas, da educação, não pode dirigir uma cidade.
Ainda que as prefeituras tenham autonomia para isso, não haveria como a Secretaria de Educação atuar nesses casos?
RS – Em agosto, ainda tínhamos 67 municípios barrando a volta das aulas da rede estadual. Em setembro, conseguimos que 100% liberassem o retorno da nossa rede. Abrimos frente de diálogo com todos. A questão da autonomia dada aos municípios, inclusive, ocasionou também uma reabertura muito mais lenta. Não fosse essa autonomia, tenho absoluta certeza que em São Paulo não haveria mais nenhuma escola sem aula, fosse ela estadual, municipal ou privada.O jornal Folha de S.Paulo publicou reportagem afirmando que o senhor tem tido, à frente da secretaria, uma “agenda de candidato”, com eventos para supostamente alavancar uma possível candidatura.
O senhor tem pretensão de disputar eleições? Vai se filiar a qual partido?
RS – Não tenho ouvido essas críticas citadas pela reportagem, pelo contrário, tem muita gente elogiando o trabalho da secretaria e até me incentivando a entrar na política. O meu foco no momento é trabalhar pelos pais, pelos profissionais da educação e, sobretudo, pelos estudantes. Nossa meta é ampliar o número de escolas de tempo integral. Em 2018, eram 364 escolas de tempo integral e 115 mil estudantes. A partir de fevereiro de 2022 serão 2.040 e mais de 1 milhão de vagas. Uma das políticas mais importantes para mim, a Nova Carreira Docente, que lançamos em novembro de 2019 e teve que ficar no papel devido à pandemia, retomamos agora, propondo o maior aumento do piso dos professores da história. Quando a minha missão estiver cumprida pela educação de São Paulo, vou analisar que direção a minha vida deve tomar junto à minha família e aos amigos. Eu poderia estar na iniciativa privada, mas vou continuar a trabalhar pela educação pública do Brasil aonde quer que eu vá.
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