RAFAEL BALAGO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem estiver na praia e olhar para o céu durante o verão no Brasil neste ano terá mais chances de ver aviões passando. A malha aérea prevista para a alta temporada, de dezembro e janeiro, será maior do que em 2019, último fim de ano antes da pandemia.
Para este verão, haverá ao menos 519 rotas, contra 443 no verão de 2019, segundo dados do sistema OAG (Official Aviation Guide), levantados pela CCR Aeroportos a pedido da Folha.
Apesar dos 76 trajetos extras (alta de 17,2%), haverá, no entanto, menos decolagens (queda de 3,8%, para 71 mil) e de 100 mil assentos a menos, somando 10,9 milhões disponíveis. Isso se explica pelo uso de aeronaves menores e menor frequência de voos em alguns trajetos.
“Vem aí o verão definitivo que vai deixar a pandemia para trás. Saímos do modo de recuperação para falar de crescimento real”, avalia Graziella Delicato, gerente de negócios da CCR Aeroportos, que opera 17 terminais no país.
A Azul colocará 2.000 voos extras na temporada de fim de ano, em 21 novas rotas, incluindo ligações diretas entre Foz do Iguaçu e Porto Seguro e Goiânia a Vitória.
A Gol terá 60 novas rotas na alta temporada, e espera atingir 760 decolagens por dia, o maior volume desde janeiro de 2020. Antes da pandemia, a média era de 800 partidas diárias.
A Latam lançou neste ano novos destinos, como Cascavel (PR), Juiz de Fora (MG) e Caxias do Sul (RS). Em agosto, somava 54 destinos, dez a mais do que antes da crise sanitária.
As mudanças no mapa aéreo incluem mais ligações entre o Sul, Sudeste e Nordeste e mais rotas regionais, que atendem cidades do interior ou conectam capitais de menor porte. Depois da pandemia, houve maior demanda por destinos ligados à natureza, como Bonito (MS) e Lençóis Maranhenses, além de outras praias do Nordeste.
“Quando a gente coloca um voo Maringá a Salvador, automaticamente abre mais espaço em São Paulo, porque tradicionalmente esse cliente voaria Maringá-São Paulo e São Paulo-Salvador. O cliente de São Paulo acaba não vendo, mas ganha mais espaço”, diz Bruno Balan, gerente de Planejamento de Malha Aérea da Gol.
Além do maior interesse dos brasileiros por voos nacionais, a criação de rotas internas tem uma razão fiscal: alguns estados, como São Paulo e Paraná, oferecem desconto no ICMS sobre o combustível de aviação, em troca de novos serviços aéreos em seu território.
Em muitos casos, criar rotas regionais compensa mesmo que o trajeto dê prejuízo, pois a empresa pode abastecer com desconto aviões da frota que atendem outros destinos.
A aviação foi um dos setores mais afetados pela pandemia. Quando o mundo se fechou, em 2020, o total de voos teve queda abrupta. A Azul, por exemplo, reduziu as decolagens de 1.000 para 70 por dia.
“Tivemos de jogar fora todas as malhas que tínhamos e começar o mapa do zero”, lembra Balan, da Gol.
As companhias aéreas costumam planejar os voos com meses de antecedência e ir mudando as rotas de acordo com a época do ano e com os movimentos de demanda, baseados em dados anteriores. Mas, com a pandemia, eles já não serviam de nada.
“Passamos a acompanhar voo a voo, no detalhe, como quantos passageiros embarcaram, para tentar prever a demanda. Hoje estamos em um processo [de planejamento] mais parecido com o pré-pandemia e tirando históricos da gaveta. Mas seguimos olhando no micro para tomar decisões”, conta Balan.
Um dos novos comportamentos dos clientes é o de fazer viagens de folga mais longas, aproveitando a possibilidade de trabalho remoto. “A gente tinha uma sexta-feira à noite muito esgotada, e um domingo à noite com um gargalo enorme. Hoje vemos que a demanda se espalha um pouco mais, o que é bom para todo mundo. Quando a demanda é desproporcional, o produto fica mais caro”, diz Aline Mafra, diretora de Vendas e Marketing da Latam Brasil.
Houve também mudanças nos voos corporativos. “O executivo que viaja para fazer negócios e fechar reuniões importantes continua voando. Já o auditor que viajava para visitar vários locais da empresa pelo Brasil passou a fazer alguns trabalhos remotamente”, compara Fábio Campos, diretor de relações institucionais da Azul.
A retomada destes voos é interessante para as empresas aéreas porque eles trazem mais lucro. “O turista geralmente procura o voo mais barato. Mas no corporativo, quando o passageiro precisa ir fechar um negócio, ele pega o que tem. É o voo corporativo que dá lucro para a companhia aérea”, explica Cláudio de Carvalho, presidente do Saesp (Sindicato dos Aeroviários de São Paulo).
Para os próximos meses, as companhias aéreas estão com otimismo moderado, dadas as incertezas sobre o desempenho da economia e o preço dos combustíveis. A Abear, entidade que representa as empresas aéreas, aponta que o querosene de aviação subiu 64,3% entre janeiro e agosto deste ano no Brasil.
Por outro lado, há espaço para expansões rápidas, quando a demanda surgir. Praticamente todos os aeroportos do Brasil têm espaço para receber mais voos, sendo Congonhas a principal exceção.
A concessão de mais aeroportos à iniciativa privada, que avançou neste ano, é bem-vista pelas empresas aéreas, por agilizar negociações. “Uma vez deixamos de colocar voo numa grande cidade do interior porque o aeroporto não tinha banheiros disponíveis na hora do desembarque. Só tinha dois mictórios, e chegavam outros voos na mesma hora. Com a iniciativa privada, há muito mais facilidade de resolver questões assim. De [o aeroporto] falar ‘se o problema é esse, eu vou ampliar o banheiro ou pensar em outra solução'”, comenta Balan, da Gol.
Já o preço das passagens, que teve forte alta nos últimos dois anos, não tem perspectiva de queda. Além da alta do querosene, as empresas ainda estão lidando com passivos da pandemia. “Muitos passageiros que ficaram com passagens retidas durante a pandemia e não optaram pelo reembolso estão remarcando os bilhetes para agora e as empresas precisam acomodá-los”, pondera Ricardo Catanant, diretor da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
Carvalho, do sindicato, pondera que os gastos com pessoal estão menores. “As empresas estão recuperando a malha com menos funcionários. O lema das empresas é mais com menos. Uma das três grandes companhias está com quase 90% da malha que tinha, mas com 33% menos custo de pessoal. Aqueles que foram desligados estão voltando com salário menor”, diz.
Há um consenso no setor de que há muito espaço para crescimento no Brasil ao atrair novos passageiros. Dados da Abear apontam uma taxa média de 0,5 viagem por habitante por ano no Brasil, quatro vezes menos que nos EUA. “O índice de penetração da aviação no Brasil ainda é muito baixo, comparado a outros mercados maduros, como o Chile. Era preciso ter mais CPFs viajando”, diz Catanant.
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