SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A composição da Câmara Municipal de São Paulo que tomou posse no dia 1º de janeiro deve dar mais trabalho ao prefeito Bruno Covas (PSDB) na aprovação de projetos e já enfrenta cenário de tensão entre os partidos de esquerda.
Logo na primeira sessão de 2021 ficou escancarada a tensão entre o PT e o PSOL, que juntos somam 14 dos 55 vereadores. Os dois partidos estiveram juntos no segundo turno da eleição para prefeito, com o PT apoiando Guilherme Boulos, do PSOL, mas a disputa da eleição para a presidente da Câmara, vencida por Milton Leite (DEM), mostrou que os dois partidos nem sempre atuarão em bloco.
Enquanto o PSOL escolheu lançar candidatura própria, com Erika Hilton, vereadora trans em primeiro mandato, o PT acenou para Hilton, mas fez acordo para ceder seus oito votos a Leite em troca de uma vaga na Mesa Diretora, que administra a Câmara, controlando, assim, a pauta e a criação de cargos e processos contra vereadores.
Com o acordo, Juliana Cardoso (PT) foi eleita primeira secretária e Leite demonstrou força ao conseguir 49 votos.
O PSOL soltou farpas em direção ao PT. Luana Alves, líder do partido na Câmara, foi às redes sociais para dizer que “não se vende por cargos”.
Já petistas afirmam que, ao escolher “cinco minutos de holofote”, o PSOL acabou fortalecendo a direita ao abrir mão da vaga na Mesa Diretora que poderia pertencer ao partido devido à proporcionalidade da bancada. A vaga ficou com Fernando Holiday (Patriota).
“Foi uma política de se isolar, de falar para fora do parlamento. Isso você fala um dia, tem repercussão de 24 horas e o ano continua. E você tem um ano para tocar com uma correlação de forças que poderia ser outra”, diz Antonio Donato (PT), ex-presidente da Câmara, que defende a presença na Mesa Diretora.
Além disso, ele aponta diferenças no posicionamento do partido que, em Belém (PA), apoiou Zeca Pirão (MDB) para a Presidência da Câmara também usando o princípio da proporcionalidade.
Donato diz que o foco do PT é a oposição a Covas, que ter espaço na Casa ajuda e que acredita que os integrantes do PSOL vão amadurecer nesse aspecto. “Não vamos ter uma postura de marcar posição por marcar. É importante ter presidência de comissão, é importante influenciar na pauta”. Ele diz que presidentes de comissão podem não só definir a pauta como também convocar audiências públicas.
“É claro que na maioria dos momentos o PSOL vai estar junto com o PT, em projetos da área da saúde, educação, os partidos têm similaridades muito importantes, mas não vai ser sempre. Na votação de presidente da Câmara, não tinha jeito”, diz Luana Alves.
“A gente procurou o PT para falar sobre a possibilidade de uma aliança progressista, de esquerda, um bloco que fosse uma oposição real ao tucanato na Câmara. Infelizmente, o PT não topou porque avaliou que precisava fechar um acordo com o Milton Leite para estar na mesa. Para a gente, foi um erro de método. Eles teriam um lugar na mesa de qualquer forma, porque tinham oito votos [número de vereadores do partido]”, conclui.
Alves diz que se deve esperar independência do PSOL porque o partido “tem um programa para que São Paulo seja mais justa e dê mais direitos à maioria da população”, diz. “Tentar garantir esse programa é mais importante que os cargos.”
Apesar do estranhamento entre as duas siglas de esquerda, nessa legislatura a gestão Covas terá uma situação mais difícil.
A bancada do PSOL triplicou de tamanho e chegou a seis vereadores, a do PT perdeu apenas um vereador (tem oito), e surgiram ainda novos nomes à direita que não se alinharão ao prefeito.
O Patriota triplicou a bancada do MBL (Movimento Brasil Livre), que antes tinha apenas Fernando Holiday e cresceu com a chegada de Rubinho Nunes e Marlon do Uber. Há também a bolsonarista Sonaira Fernandes (Republicanos).
Dependendo da pauta, as duas parlamentares do Novo, Janaína Lima e Cris Monteiro, podem também desfalcar os votos de Covas, assim como Rinaldi Digilio, do PSL.
Com isso, mais de 20 parlamentares podem se reunir contra os projetos do prefeito. A situação repete a dinâmica da Assembleia Legislativa de SP, onde movimentos simultâneos de bolsonaristas e da esquerda dificultam a vida do governador João Doria (PSDB).
Para agravar a situação de Covas, o PSDB teve queda de 12 para 8 cadeiras em relação à composição da Câmara no fim de 2020.
O prefeito terá de contar com a influência de Milton Leite sobre a Casa. O cacique do DEM é conhecido pelo estilo “trator” na aprovação de projetos e tem boa interlocução mesmo com alguns nomes da oposição, como mostrou sua votação para presidente.
Questionado sobre o aumento da oposição, Leite minimizou os efeitos para a base de Covas. “Numa Casa Legislativa do porte da Câmara Municipal de São Paulo é natural e saudável que a oposição cresça e se faça presente. A base do governo Bruno Covas respeitará e discutirá todos os projetos importantes para São Paulo. Acredito que não haverá resistência ao que for importante para a população.”
Além do embate entre oposição e situação, a Câmara terá maior visibilidade na internet, com a chegada de influencers e celebridades.
Thammy Miranda (PL), por exemplo, uma das duas pessoas trans eleitas para a Casa, tem mais de 3 milhões de seguidores no Instagram.
Eleito com 98.717 votos, o policial civil e youtuber do ativismo animal Felipe Becari (PSD) é outra voz com influência no ambiente virtual. No Instagram, ele contabiliza mais de 1 milhão de seguidores.
Outro vereador com muita visibilidade é o Delegado Palumbo, representante da chamada bancada da bala.
O índice de renovação dos vereadores foi de 38%. Com isso, veteranos perderam o mandato. Entre eles estão Toninho Paiva (PL), de 78 anos, e o ex-presidente da Câmara, Police Neto (PSD).
A Câmara deste ano contará com uma novidade: dois mandatos coletivos, como ficaram conhecidas as candidaturas não de um vereador, mas um grupo de pessoas que toma decisões em conjunto.
A configuração não existe legalmente e é feita com base em uma brecha: uma pessoa assume como vereadora, mas não toma decisões sozinha. Outros “covereadores” são nomeados assessores do gabinete e eles decidem em conjunto como será o voto.
Os dois mandatos, Bancada Feminista e Quilombo Periférico (ambos do PSOL), contam com pessoas transgênero em seus coletivos.
Além deles, outros dois transgênero tomaram posse, fato inédito na casa: a vereadora Erika Hilton e o vereador Thammy Miranda.
Com eles, e desconsiderando os mandatos coletivos, a Câmara será composta por 43 homens e 11 mulheres.
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