Livrarias investem em influenciadores e cursos online para brigar com gigantes

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A pandemia forçou as livrarias de rua a travar um embate contra gigantes que dominam as vendas online. Para sobreviver, as pequenas lojas tiveram de correr para digitalizar acervos e descobrir como humanizar o ambiente virtual.

O mercado editorial registrou redução de 13% no faturamento em 2020 em comparação com o ano anterior, segundo pesquisa, divulgada em maio, feita pela Nielsen em parceria com a Câmara Brasileira do Livro e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros.

O estudo também aponta que, com o impacto da Covid, a participação das livrarias físicas no faturamento das editoras caiu 32%, enquanto a de lojas virtuais subiu 84%.

Em alguns casos, as adaptações não foram suficientes para salvar o negócio. Esta é a maior crise que a Blooks Livraria enfrenta em dez anos de existência, de acordo com a proprietária, Elisa Ventura.

A rede carioca fechará sua última loja na capital paulista no fim deste mês com o encerramento da operação no shopping Frei Caneca, na região central. Em abril, a Blooks se despediu do espaço que ocupava no cinema Reserva Cultural, na avenida Paulista.

No ano passado, a empresa conseguiu isenção do aluguel do shopping durante alguns meses e abriu uma campanha de financiamento coletivo, que arrecadou R$ 95 mil.

No período, digitalizou parte do acervo e criou a seção Pérolas Blooks, que inclui títulos raros e edições já esgotadas. Mas o faturamento diminuiu para menos da metade do período pré-pandemia –nos meses mais duros, a receita quase zerou.

A rede procura um novo endereço na região central, porém fora de shopping. Por enquanto, continuará suas atividades no Rio de Janeiro, onde tem três unidades.

A livraria de rua Mandarina também precisou criar uma campanha de doação para tentar driblar a crise. As sócias Daniela Amendola, 53, e Roberta Paixão, 50, não informam o valor arrecadado, mas afirmam que a mobilização foi fundamental para a sobrevivência do negócio inaugurado em agosto de 2019 em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.

A Mandarina investiu em um site e organizou cursos online pagos. Os temas incluíram literatura russa, filosofia, geopolítica no Oriente Médio, mitologia grega e astrologia.

“Chegamos a ter mais de 20 alunos por aula. Fechamos o ciclo, mas devemos retomar os cursos”, diz Daniela.

Uma das iniciativas para atrair consumidores é a venda de livros autografados de forma personalizada e sem custo extra. A livraria leva as obras até o autor e arca com as despesas do transporte. A estratégia foi adotada para substituir as noites de autógrafos, quando eram comercializados em média 40 livros.

A Livraria da Tarde, também localizada em Pinheiros, buscou influenciadores digitais do mercado de livros para lutar contra a concorrência. Eles têm liberdade para fazer a curadoria do conteúdo que será apresentado e ficam com 5% das vendas das obras que indicam. Alguns também ganham espaço no site da livraria, transformado em ecommerce.

“O investimento no site não chegou a R$ 10 mil. Mas tive de contratar um profissional que faz a integração da loja física com a virtual”, afirma Monica Carvalho, 48, fundadora.

A livraria tem parcerias com clubes de leituras e promove gratuitamente encontros online mensais para discutir obras. Na lista dos dez livros mais vendidos, metade está relacionada aos títulos debatidos nos clubes, diz Monica.

Inaugurada pouco antes da pandemia, a livraria tem registrado faturamento 20% aquém do projetado.

Segundo Bernardo Gurbanov, 68, presidente da ANL (Associação Nacional de Livrarias), pequenas empresas aumentam a chance de sobrevivência se trabalharem focadas em nichos e oferecerem serviços complementares.

Argentino, Bernardo é dono da Livraria Letraviva, em São Paulo, que tem estoque de aproximadamente 15 mil obras, a maioria em espanhol, e firmou uma parceria com uma escola de idiomas.

Ele considera que há mercado para ser explorado no setor. A ANL estima que existam 2.300 livrarias no país, considerando estabelecimentos com mais de 50% do faturamento das vendas com livros.

“Temos de multiplicar esse número por cinco ou seis para alcançar a orientação da Unesco de uma livraria para cada 20 mil habitantes”, diz ele, que aponta uma recuperação do setor nos últimos meses.

Pesquisa da ANL divulgada no começo do mês mostra que o faturamento do varejo do livro no acumulado deste ano até abril é 22% superior ao mesmo período de 2020.

Enquanto alguns fechavam as portas na pandemia, três amigos decidiram começar um novo negócio com a inauguração da Alecrim, no Rio de Janeiro. A livraria prioriza produções latino-americanas.

A Alecrim tornou as redes sociais sua principal vitrine. Na página do Instagram, tem mais de 8.000 seguidores. Além de conteúdos educativos, produz vídeos divertidos para engajar o público jovem.

Já a Gato sem Rabo, inaugurada no fim de maio na Vila Buarque, região central de São Paulo, trabalha apenas com obras escritas por mulheres. A livraria conta com acervo de 4.200 exemplares.

“Temos o objetivo de trazer visibilidade para histórias contadas por mulheres, que durante muito tempo ficaram invisíveis”, diz a sócia Johanna Stein, 30.

O modelo de consignação em editoras também respalda a abertura de novos negócios. Nele, o fornecedor deixa os livros sem custo para serem comercializados, com acerto de contas após as vendas.

Dessa forma, a empresária Sheriheen Guezzeui, 24, não precisou de muitos recursos para comprar uma banca e transformá-la em livraria, com cerca de 200 obras de editoras independentes.

O investimento na banca Trago Notícias, na Vila Cordeiro, zona sul de São Paulo, foi de R$ 8.000 em setembro, mesmo valor do faturamento dos últimos dois meses.

Como as bancas foram categorizadas como serviços essenciais, o negócio não teve de fechar na pandemia. Além de livros e jornais, a Trago Notícias vende itens de tabacaria.

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