SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando a amostra de comparação do resultado das eleições do último domingo (30) são os oito países de língua portuguesa que, ao lado do Brasil, formam a comunidade lusófona, não há consenso sobre quem seria o melhor presidente para o país –ao menos não nas urnas.
Ainda assim, a confirmação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi recebida pela maioria dos líderes lusófonos com mensagens que transpareciam a esperança de retomar relações em parte congeladas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Em três países (Portugal, Angola e Cabo Verde), o petista foi o mais votado. Em outros três (Moçambique, Guiné-Bissau e Timor Leste), o eleitorado ficou ao lado do atual presidente. Nos também lusófonos Guiné Equatorial e São Tomé e Príncipe não houve votação, porque o número de eleitores cadastrados é inferior a 30, cifra mínima estabelecida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para que seja aberta uma seção.
Em números gerais, a votação dos brasileiros que vivem nas nações lusófonas foi favorável a Lula, que reuniu 63,7% dos votos válidos (23,6 mil), ante 36,3% de Jair Bolsonaro (13,4 mil). Os valores são ínfimos dentro do apoio total de cada um: representam 0,04% dos 60,3 milhões de votos do petista e 0,02% dos 58,2 milhões do candidato à reeleição.
Eles, porém, são em grande parte reflexo de Portugal, destino de milhares de brasileiros para residência. No país, os três colégios eleitorais -Lisboa, Porto e Faro- deram a vitória ao petista, com 23,2 mil votos ao todo.
As cifras nanicas nos lusófonos africanos e no Timor Leste, único país de língua portuguesa no Sudeste Asiático, permitem observar melhor a dissidência de opinião. Na capital moçambicana, Maputo, por exemplo, Bolsonaro recebeu 166 votos (54,3% dos válidos); Lula, 140 (45,7%). Já em Luanda, Angola, o resultado é quase inverso: 55,6% para o petista (124), 44,4% para o presidente (99).
Nos dois países, estão a cargo do governo figuras mais simpáticas ao PT -não apenas pelo refluxo das relações bilaterais com os Palop (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) no governo Bolsonaro.
O presidente João Lourenço disse em nota que Angola e Brasil “precisam resgatar as ricas memórias de relações bilaterais que se acumulam no passado recente”, em mensagem clara sobre o distanciamento recente entre as nações.
Lourenço, reeleito em agosto em um pleito contestado pela oposição, é herdeiro político do MPLA, partido que governa o país desde a independência. Lula foi próximo de seu antecessor, o autocrata José Eduardo dos Santos, morto em julho.
De Moçambique, a mensagem do presidente Filipe Nyusi, da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), que chamou Lula de irmão também denota esperança da retomada de relações: “Sua eleição abre uma nova caminhada de esperança rumo a uma nova era de cooperação e reforço da nossa irmandade”.
Do líder do Timor Leste, o Nobel da Paz José Ramos-Horta, veio mensagem ainda mais enfática. “Justiça foi feita ao restaurar-se a vibrante democracia brasileira e assim corrigirem-se os graves atropelos ao Estado de Direito, as injustiças e a manipulação do poder judicial”, disse, referindo-se à prisão de Lula.
Ramos-Horta, um dos principais rostos da independência, e outras lideranças timorenses têm relação histórica com o petismo. À Folha em maio, Roque Rodrigues, ex-ministro da Defesa, creditou a Lula a capacidade de aquecer a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
O tom do líder timorense, porém, não encontrou eco nas urnas: a capital Díli foi a seção lusófona no exterior em que Bolsonaro conquistou a maior fatia proporcional de votos: 62,7% (ou 37).
No arquipélago de Cabo Verde, 64,5% (40 eleitores) votaram em Lula e 35,5% (22) optaram por Bolsonaro. O presidente José Maria Neves, em uma rede social, disse esperar que os países possam trabalhar juntos para “reforçar ainda mais as relações de amizade e cooperação”.
De centro-esquerda, Neves realizou boa parte de sua formação acadêmica no Brasil. À Folha em novembro passado, ele disse que Lula, quando esteve no poder, tinha uma “perspectiva de promoção do Brasil no mundo” e que sem petista no Planalto o Brasil se isolou.
Em Guiné-Bissau, a maioria foi favorável à reeleição de Bolsonaro -55,5% ou 25 eleitores. A cargo do país está Umaro Sissoco Embaló, autocrata descrito pelo próprio presidente brasileiro como “Bolsonaro da África”. Ele chegou a usar a ascensão de militares a cargos no governo e em estatais na gestão Bolsonaro para justificar movimento semelhante em seu governo.
Depois do resultado, o guineense foi um dos primeiros a parabenizarem Lula. “Trabalharemos por relações bilaterais sólidas e prósperas”, escreveu no Twitter, em… Francês -cercado por nações francófonas, o país africano tem visto, cada vez mais, o português perder espaço para o idioma, usado majoritariamente no governo e em espaços de trabalho.
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