Juros altos e investimentos pressionam endividamento das empresas na Bolsa

LUCAS BOMBANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O patamar elevado da taxa básica de juros e as dificuldades financeiras causadas pela pandemia, pela guerra na Ucrânia e pelo risco de desaceleração global têm se refletido no nível de endividamento das empresas com ações negociadas na Bolsa.

Além disso, os planos de investimento para expandir as operações também contribuem para o grau de endividamento das companhias listadas.

Um levantamento da plataforma TradeMap indica as empresas que compõem o Ibovespa com o maior nível de endividamento até junho de 2022, consideradas as informações que constam nos formulários de informações trimestrais (ITR) enviados à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Os dados consideram a relação entre a dívida líquida e a geração de caixa (ebitda), que indica quantos anos as empresas levariam para zerar todas suas dívidas apenas com base na geração de caixa. O indicador é comumente utilizado por analistas de mercado para mensurar o nível de endividamento de uma empresa.

O levantamento do TradeMap leva em consideração os dados contábeis apresentados no ITR das empresas, e não faz alusão aos indicadores ajustados pelas companhias.

No recorte setorial, empresas de educação e de energia estão entre as que aparecem com maior nível de endividamento –seja pelos prejuízos das educacionais nos últimos meses, que sofreram com o aumento das despesas financeiras, ou pelos investimentos para expansão da rede, no caso das elétricas.

O setor imobiliário, que sofre um impacto negativo da alta dos juros para os financiamentos e para a demanda de compra dos consumidores nos shoppings, também aparece entre os destaques.

Segundo Jader Lazarini, analista CNPI do TradeMap, as empresas mais alavancadas, com maior nível de dívida em relação à geração de caixa, costumam fazer parte de setores que enfrentam algum tipo de dificuldade na retomada dos negócios pós-pandemia e por causa da desaceleração da economia global.

Bruno Imaizumi, economista da LCA, acrescenta que, em um cenário de juros elevados, as empresas têm uma dificuldade maior para conseguir empréstimos para alavancar seus negócios.

“Outra dificuldade é o desincentivo que as pessoas têm para consumir bens e serviços, o que pode desaquecer alguns setores como comércio e serviços e, consequentemente, fazer com que as empresas possivelmente gerem menos receita”, afirma Imaizumi.
Já entre os destaques individuais, a liderança ficou a cargo da Azul, do setor aéreo.

Lazarini diz que a empresa deve demorar para conseguir reduzir o nível de endividamento, já que a operação tem sido impactada pelo aumento do preço dos combustíveis e pelas despesas financeiras por causa da Selic elevada.

“A dinâmica de endividamento majoritariamente dolarizado e a receita em reais não é o melhor dos mundos, mas os dados de tráfego de agosto demonstram que as taxas de ocupação dos voos internacionais e o volume dos voos domésticos acima do patamar pré-pandemia estão numa retomada de rentabilidade”, diz o analista.

Ele afirma ainda que o endividamento das empresas varia de acordo com o setor de atuação e o momento operacional de cada uma.
No caso da Hapvida, diz o especialista, o grau de endividamento tem relação com a fusão com a NotreDame Intermédica, com o pagamento de parcelas aos acionistas da empresa adquirida como parte do acordo.

Já em relação à BRF, prossegue Lazarini, o endividamento está mais relacionado à evolução da receita nos últimos meses, que cresceu em menor proporção do que os custos de produção. “Mesmo consumindo menos caixa do que no mesmo trimestre do ano passado, a BRF viu seu endividamento aumentar.”

A BRF informou por meio de comunicado que possui um prazo médio de dívida “confortável”, em torno de 9 anos, sem grandes vencimentos ou amortizações concentradas em curto prazo.

“Com a alta da Selic e o eventual encarecimento de encargos (juros), a companhia ressalta que emprega ainda maior diligência nas decisões de alocação de capital.”

Nem sempre ter dívida em balanço é ruim, diz especialista Empresas de varejo também seriam destaque no levantamento, mas o analista do TradeMap ressalta que há uma particularidade a ser considerada nesse caso.

Isso porque as empresas e os analistas do setor costumam considerar os recebíveis de cartão de crédito oriundo das vendas em prestações como parte das disponibilidades em caixa e não como dívida.

O Magazine Luiza, por exemplo, informou que, ao final de junho, tinha um caixa total de R$ 9 bilhões, incluindo R$ 1,9 bilhão em caixa e aplicações financeiras e R$ 7,1 bilhões em recebíveis de cartão de crédito.

“Os recebíveis de cartão de crédito possuem liquidez imediata, ou seja, podem ser convertidos em caixa instantaneamente. Caso desejasse liquidar todas as suas dívidas, hoje, com recursos próprios, o Magalu ficaria com um saldo de R$ 2,1 bilhões em caixa”, informou a empresa.
Na mesma linha, a Via diz que a avaliação de alavancagem deve necessariamente levar em conta os recebíveis de alta liquidez. “Considerando as saídas de caixa e também os recebíveis de alta liquidez, que são inerentes à operação de crédito da empresa, nossa alavancagem é positiva”, diz a empresa.

Diretor do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGVcef), William Eid Junior diz ainda que é comum as pessoas terem a percepção de que ter uma dívida em carteira é ruim.

“Em geral, não é. A dívida é parte da estrutura de capital da maioria das empresas, pois ela tem custo menor que o capital dos sócios”, diz o especialista. “Do ponto de vista do investidor, emprestar tem menos risco do que se tornar sócio.”

Ele assinala que a dívida tem prazo para vencer e prevê o pagamento de juros, diferentemente das ações, que não possuem essas mesmas características. E, em caso de falência da empresa, o detentor da dívida tem preferência no recebimento do valor em relação ao acionista, o que contribui para o menor risco comparado com o investimento via ações.

Eid Jr acrescenta, contudo, que quando a empresa acumula um patamar excessivo de dívida, os investidores podem passar a avaliar que ela não terá a capacidade de pagar suas obrigações. “E aí as coisas se complicam. Você pode ver isso nos ratings das empresas e países.”
Empresas de energia apontam aumento dos investimentos para expandir operações como principal razão para o endividamento Entre as empresas do levantamento que retornaram aos pedidos de comentário, os investimentos em curso para a expansão das operações e ajustes considerados em relação aos dados contábeis foram apontados para justificar os resultados.

A Energisa disse que a alavancagem está em linha com sua estratégia de expansão e diversificação em negócios que são fortes geradores de caixa, como os segmentos de distribuição, transmissão e geração de energia.

A empresa do setor elétrico destacou ainda que, considerada a dívida líquida sobre o ebtida ajustado, a relação estava em 2,8 vezes no final de junho, abaixo dos limites definidos em sua política de gestão de riscos.

Na mesma linha, a Engie Brasil informou que sua estrutura de capital “é bastante alinhada com sua ambição de crescimento e executada com disciplina financeira. Se analisarmos o setor em que atuamos, que exige capital intensivo, bem como o histórico de sucesso da companhia nos últimos 20 anos, podemos garantir que o nosso olhar para o futuro é sólido, consistente e equilibrado.”

A Engie indica ainda que possui atualmente uma relação entre dívida líquida e ebitda de 2,1 vezes, e que a manutenção do rating triplo A propicia acesso facilitado e custo competitivo de dívida para financiar o crescimento das operações.

A empresa destacou também que investiu R$ 21,5 bilhões entre 2017 e 2021 em novos projetos, com um aumento de R$ 16 bilhões na dívida bruta, com a relação entre dívida e ebtida passando de 0,3 vezes para 2,1 vezes no intervalo. “Ou seja, estávamos sub-alavancados e atualmente temos uma estrutura de capital mais eficiente. E mesmo com esse volume expressivo de investimentos nos últimos anos, realizado sem a necessidade de chamada de aporte de capital dos acionistas, nosso balanço ainda nos permite continuar crescendo com níveis seguros de alavancagem.”

A Vibra, antiga BR Distribuidora, afirmou que a “capacidade financeira e resiliente geração de caixa são diferenciais importantes na captura das oportunidades que a companhia prevê no médio e longo prazo. Os indicadores atuais da companhia estão em patamares confortáveis quando observam-se os investimentos realizados para colocar em andamento a estratégia para alavancar as operações do ‘core bussiness’ [negócio principal] atual e para a entrada em novos mercados.”
Ainda de acordo com a Vibra, pelos cálculos ajustados pela empresa, de modo a incorporar fatores como os projetos de expansão em curso, despesas com depreciação e amortização, perdas e provisões com processos judiciais, entre outros aspectos, a relação entre a dívida líquida sobre o ebtida era de 2,4 vezes ao final de junho.

Já a Ultrapar disse que “vem reduzindo seu endividamento, alavancagem e custo de dívida em paralelo, com resultados já capturados nos balanços mais recentes e com melhorias previstas para os próximos trimestres.”

De acordo com a empresa, o endividamento foi reduzido em cerca de 30% entre dezembro de 2021 e junho de 2022, reflexo da melhoria de resultados das três principais empresas do portifólio -Ipiranga, Ultragaz e Ultracargo-, a entrada de caixa com a venda de empresas que deixaram de fazer parte da estratégia de longo prazo, como ConectCar, Oxiteno e Extrafarma, e a gestão do envidividamento, com pré-pagamento das dívidas mais caras, reduzindo substancialmente o efeito do aumento de juros.

Com ajustes, a dívida líquida sobre o ebtida encerrou junho em 2,2 vezes, contra 2,9 vezes em dezembro de 2021, aponta a companhia.

A Cosan, por sua vez, disse que o “índice de alavancagem pró-forma [que considera as dívidas das empresas controladas e da Raízen, joint venture em parceria com a Shell] no segundo trimestre de 2022 é de 2,44 vezes, versus 2,7 vezes no período anterior, reflexo da melhor performance operacional de todas as empresas do grupo.”
No caso da Rumo, de logística, a empresa assinalou que “o nível atual [de endividamento] encontra-se abaixo dos limites negociados junto a credores.”

Do setor de saúde, o Fleury informou que os cálculos internos indicam que “o nível de alavancagem da companhia é de 1,8 vezes”, incluindo contas a pagar de aquisições, e sem considerar financiamentos por arrendamentos de R$ 754 milhões como dívida.

Ainda no setor de saúde, a Hypera Pharma afirmou que financiou parte significativa de suas recentes aquisições utilizando mecanismos de dívida “em condições atrativas”. A fabricante de medicamentos destacou ainda que, considerado o ebtida projetado para o ano de 2022, a dívida líquida sobre o ebtida está ao redor de 2,5 vezes, “um nível que considera saudável”.

A companhia disse também que “reforça seu compromisso em continuar gerando caixa, em patamares que têm permitido desalavancagem contínua, reinvestimento em inovação e marketing para crescimento orgânico, expansão de suas operações e retorno de capital aos seus acionistas.”

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