A eventual aprovação do projeto de lei que quebra patentes de vacinas e medicamentos não trará benefícios imediatos ao Brasil na oferta desses produtos e ainda poderá afastar laboratórios estrangeiros de firmarem contratos e acordos de transferência de tecnologia com o País, segundo dirigentes da indústria farmacêutica e especialistas em propriedade intelectual ouvidos pelo Estadão.
A medida seria inócua, dizem, porque o processo para repassar a tecnologia de um produto novo, sobretudo de vacinas que utilizam plataformas novas, é demorado (ao menos 12 a 18 meses). O trâmite no Brasil seria ainda mais moroso porque não há plantas já preparadas para iniciar a produção.
“O Butantan está investindo em uma nova fábrica para produzir integralmente a Coronavac e vai levar um ano. Isso porque estamos falando de uma tecnologia que dominam (vacina inativada). Imagine uma vacina de RNA, que é mais complexa”, diz Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).
Para Elizabeth de Carvalhaes, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o projeto “olha para o lado errado” ao tentar resolver a escassez de doses com a quebra de patente. “Os medicamentos do kit intubação, por exemplo, não são patenteados e ficaram em falta em todo o País. O problema não é patente, é de suprimento”, diz.
Ela diz ainda que vacinas que são inteiramente importadas, como as da Pfizer, nem têm patente no Brasil e, por isso, não seriam afetadas pela norma.
Insegurança jurídica
Mussolini diz que, além de não ajudar, a lei pode inviabilizar novos acordos de transferência de tecnologia, como os que já foram feitos entre AstraZeneca e Fiocruz, e entre Butantan e Sinovac para a Coronavac. “Empresas que estariam dispostas a fazer acordos vão pensar se vale a pena entrar em um País que não respeita a propriedade intelectual. Não adianta ser um baita mercado e não dar segurança jurídica”, diz ele, do Sindusfarma.
Para Elizabeth, a entrega de doses já compradas pelo governo será honrada, mas novos contratos e parcerias podem ficar ameaçados e a “lei pode desencorajar empresas que decidam fornecer para o Brasil”.
Eles destacam que já existe uma norma que determina a quebra de patente. É prevista nas regras do Trips (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio), da Organização Mundial do Comércio, se mantido pagamento para o dono original da patente.
Para Maristela Basso, professora de Direito Internacional da USP, o Brasil poderia usar a legislação já vigente sem recorrer a “mudanças abruptas e irresponsáveis”. “É sabido que o País enfrenta os efeitos nefastos da pandemia, os quais justificam discussões responsáveis sobre o tema das patentes farmacêuticas. Contudo, a resposta e os caminhos que se apresentam passam longe do licenciamento compulsório sem a autorização dos titulares dos direitos patenteários”, diz. Pfizer e AstraZeneca não quiseram comentar o projeto. Butantan e Fiocruz não responderam. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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