SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil recebe nesta semana um grupo de dez magistrados afegãos e suas famílias que obtiveram o visto humanitário e foram resgatados por uma operação conjunta entre associações de classe nacionais e internacionais. Muitos deles julgaram casos envolvendo membros do Talibã e estavam ameaçados de morte após a tomada do poder no país pelo grupo fundamentalista.
No total, são 26 pessoas: sete juízas e três juízes casados com essas magistradas, além de seus filhos e outros parentes próximos. A primeira família chegou ao Brasil nesta segunda-feira (18), outra veio na terça (19) e as cinco restantes chegam nesta quarta.
Detalhes sobre a operação de resgate não podem ser divulgados por razões de segurança, mas os voos que os trouxeram para o Brasil vieram da Turquia, da Macedônia do Norte e da Grécia.
Quem encabeça a operação é a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), atendendo a um pedido da Associação Internacional de Mulheres Juízas, que informou que 270 mulheres atuavam como magistradas no Afeganistão e buscavam países dispostos a acolhê-las.
As famílias que chegam nesta semana irão morar inicialmente em Brasília, em uma hospedagem provisória. A AMB fez tratativas com o governo para facilitar a concessão dos vistos para esses profissionais. Preparou também um plano de atendimento aos recém-chegados, que inclui parcerias com planos de saúde, escolas, atendimento psicológico e outros serviços de assistência.
A entidade afirma que lançará nesta quarta-feira uma campanha para arrecadar fundos que ajudem a mantê-los financeiramente por um período.
“Eles deixaram muito claro que querem independência, querem trabalhar, prosseguir nos estudos”, conta Renata Gil, presidente da AMB. “Acho que vão conseguir retomar a vida rapidamente, porque são muito qualificados. Até lá, vamos dar um suporte.”
Segundo Gil, o grupo tem poucas informações sobre o Brasil, mas está grato pela acolhida. “Eles estão assustadíssimos, mas na expectativa de saber como é a vida no país. É muito bonito e elegante o jeito como eles agradecem. Eles falam que estamos realmente salvando a vida deles.”
Em sua ofensiva para retomar o poder, o Talibã abriu as portas de prisões de cada cidade conquistada, libertando seus combatentes e outros criminosos; muitos iam atrás de quem os condenou para se vingarem. Segundo relatos das associações internacionais, os juízes e suas famílias estavam tendo que se mudar de uma casa para outra ou passar dias em esconderijos precários em busca de segurança.
O visto humanitário para afegãos foi anunciado pelo Brasil em 3 de setembro. Em dezembro de 2020, o Brasil havia reconhecido a situação de “grave e generalizada violação de direitos humanos” no Afeganistão, algo que agiliza o processo de obtenção de refúgio por cidadãos desse país.
Só é possível fazer essa solicitação, porém, estando já no Brasil, e, para a viagem, os afegãos precisam de visto. Até então, era preciso pleitear o documento de turismo ou o destinado a reunião familiar, mais difíceis de serem obtidos, especialmente para quem sai às pressas de uma situação de crise humanitária.
A nota conjunta da Justiça e do Itamaraty que anunciou a portaria do visto humanitário afirmava que o país levaria em conta, entre as prioridades, “a situação particular das magistradas afegãs que foi trazida ao conhecimento do governo brasileiro”.
Os alertas para o risco corrido pelas juízas já vinham desde antes de as tropas americanas deixarem o país e cresceram após o assassinato de duas juízas do Supremo Tribunal afegão em um ataque em janeiro deste ano.
Atualmente, são poucos os refugiados afegãos em território brasileiro: no total, há 162 já reconhecidos e 49 processos em andamento, segundo dados recentes do Ministério da Justiça.
Há outras iniciativas para trazer refugiados afegãos para o Brasil, de empresas, organizações não governamentais e grupos de voluntários. Algumas delas se dizem confusas em relação ao passo a passo do processo para obter o visto e afirmam que têm esbarrado em dificuldades, como uma longa lista de exigências feitas por embaixadas brasileiras.
Entre as exigências, estão plano de saúde e odontológico, renda mensal, hospedagem, alimentação, transporte, teste PCR para Covid-19 e custos para revalidação de diplomas, por exemplo.
Segundo a Defensoria Pública da União (DPU), os novos requisitos são ilegais. A entidade enviou uma petição ao Ministério das Relações Exteriores solicitando modificação dos critérios e mais transparência nas informações sobre o processo.
O Itamaraty, por sua vez, disse que as orientações em questão foram repassadas às embaixadas apenas para casos em que o pedido de visto humanitário se dê por meio de instituições privadas ou ONGs e envolva grupos numerosos de pessoas e que não são obrigatórias.
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