(FOLHAPRESS) – Enilson Ferreira Bastos, 60, soube que golpistas invadiram o Congresso Nacional quando estava em casa com o esposo, às 19h do dia 8 de janeiro. Ao ver imagens do prédio em que trabalha há 30 anos sendo destruído, o servidor sentiu angústia, tensão e tristeza.
Os sentimentos tinham nome e lugar: tanto a “Bailarina”, escultura de Victor Brecheret, quanto os jardins da Câmara, cuidados por Bastos há seis anos, estavam no caminho dos invasores.
A escultura, que fica próxima à escada que leva ao Salão Verde da Câmara dos Deputados, faz parte do trajeto diário que o servidor percorre. “Não me lembro de nenhum momento em que eu não parasse e a olhasse com admiração”, disse Bastos.
A peça tem 70 cm de altura e foi criada por Brecheret em 1920, quando morava em Paris, na França. Em bronze fundido, as curvas da escultura simulam a delicadeza e sutileza da dança. A filha do escultor Sandra Brecheret Pellegrini doou a obra ao Congresso em 2015.
Desde então, o servidor se sente conectado à “Bailarina”. “Se eu estivesse na Câmara na hora da invasão, abraçaria obras de arte para protegê-las. Mas, se estivesse perto da ‘Bailarina’, ela seria a escolhida”, disse.
Quando se mudou de Goiânia (GO) para Brasília, aos 12 anos, Bastos já se interessava por esculturas. Depois de adulto, visitou museus na Holanda, Espanha, França e Noruega. Foi esse apreço pela arte, além da convivência de décadas com o patrimônio público, que o fez buscar informações sobre os estragos que aconteciam ao vivo em Brasília.
Ao atualizar sem parar os sites em busca de notícias, leu que a “Bailarina” estava desaparecida. “Fiquei chocado. Só de falar é difícil”, afirmou.
Outra obra com a qual ele ficou preocupado foi o painel de vidro “Araguaia”, de Marianne Peretti, que têm 13 metros de comprimento e 2,5 de altura. “Eles vão quebrar o painel da Marianne”, disse para si mesmo.
Ainda naquele domingo, o servidor recebeu uma mensagem da chefia dizendo que ele não trabalharia na segunda-feira devido à depredação dos prédios. Só nos próximos dias ele veria os estragos em primeira mão.
“Voltei ao trabalho angustiado, perguntando o que aconteceu, o que eles quebraram”, disse Bastos. “Quando cheguei, o pessoal da limpeza já tinha arrumado bastante coisa, mas ainda havia muito vidro quebrado.”
Segundo o servidor, havia um clima de tristeza entre os servidores. “Perguntava aos colegas se estava tudo bem com eles. E respondiam: ‘tudo, não'”.
No momento de repetir seu percurso pela Câmara, pensou que passaria pelo pedestal da “Bailarina” e encontraria um vazio. Mas, para sua surpresa, encontrou a escultura onde sempre estava. “Foi uma alegria tremenda, um alívio”, disse.
A peça havia sido encontrada pela equipe de restauração da Câmara, que iniciou de forma rápida os reparos. Apesar de ter sido descolada da base, a escultura estava em perfeito estado.
Na quarta-feira (11), o encontro entre Enilson Bastos e a “Bailarina” viralizou no Twitter. Uma foto do servidor ao lado da escultura foi publicada pela historiadora Franciele Becher, que é amiga de Bastos.
“Ele estava desolado com o sumiço da ‘Bailarina’ do Brecheret”, escreveu Becher. “Hoje ele me mandou essa foto, emocionado. A escultura foi encontrada e voltou para o seu lugar.”
Outras partes da Câmara não tiveram a mesma sorte. Por exemplo, um projeto de jardinagem, localizado embaixo do painel “Ventania”, de Athos Bulcão, foi destruído. Bastos disse que os invasores arrancaram raízes, racharam caules e pisaram nas folhas.
Os servidores de Infraestrutura e Patrimônio conseguiram recuperar alguns desses jardins, mas ainda há plantas próximas de vidros danificados, que podem cair. Por isso, a recuperação total da jardinagem ainda não pode acontecer.
“Esses atos destruíram coisas que não eram só minhas, mas de milhões de pessoas”, afirmou Bastos.
Com 30 anos de experiência como servidor, ele viu manifestações que vão da Marcha das Vadias aos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, mas nada no nível do que aconteceu no dia 8 de janeiro.
Da destruição, porém, pode renascer a vontade de proteger o patrimônio público. “O sentimento que tenho agora é: ninguém vai tocar nisso aqui mais. Vamos proteger ainda mais as obras.”
Bastos diz querer quer que os brasileiros possam se emocionar com as artes do Congresso assim como ele. A pulsão de proteger a Câmara, que ele considera como segunda casa, vem da identificação com o serviço público.
“Minha mãe e meu pai foram servidores públicos. Ser servidor público significa estar a serviço”. Por isso, Bastos vê no seu trabalho a obrigação de defender não só o espaço físico para as gerações futuras, mas a instituição em si. “O governo passa, mas o Estado fica”, afirma.
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