SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Israel invadiu pela segunda vez desde o início da guerra contra o Hamas, em outubro, o maior hospital da Faixa de Gaza. A operação, que ocorreu durante a madrugada desta segunda-feira (18), fez vítimas e, segundo o grupo terrorista, causou um incêndio em um dos prédios.
Considerado o principal hospital do território palestino até o início do conflito, o Al-Shifa é atualmente uma das poucas instalações de saúde parcialmente operacionais no norte de Gaza após quase todas as outras colapsarem por escassez de suprimentos e falta de condições de trabalho devido aos combates. Além de pacientes, o hospital abriga centenas de civis deslocados.
O Exército israelense alega que o centro de saúde estaria sendo usado por líderes do Hamas e que os soldados foram recebidos com tiros ao entrar no complexo. “As tropas responderam com fogo, e alvos foram atingidos. Nossas tropas continuam operando na área do hospital”, afirmou Israel, que pediu o esvaziamento da região.
Ainda de acordo com Tel Aviv, o sargento Matan Vinogradov, 20, foi morto em uma troca de tiros na área do hospital. A morte do militar eleva para 250 o número de baixas do Exército israelense durante o conflito.
Horas após a operação, a emissora do Qatar Al Jazeera afirmou que as forças israelenses detiveram e agrediram o correspondente Ismail al-Ghoul durante a incursão. “O Exército de ocupação agrediu severamente o correspondente da Al Jazeera Ismail al Ghoul antes de detê-lo no interior do complexo médico Al-Shifa, em Gaza”, disse a rede de televisão no X. Questionado pela agência de notícias AFP, o governo de Israel ainda não havia se manifestado em relação à denúncia.
Sob condição de anonimato, um funcionário da emissora disse à AFP que outras cinco pessoas foram detidas, incluindo a equipe de filmagem e os técnicos da TV, e que um tanque israelense destruiu o veículo usado pelo grupo.
No mês passado, o canal de televisão acusou Israel de atacar sistematicamente seus funcionários em Gaza. Dois jornalistas da Al Jazeera já morreram na guerra. Um deles era Hamza Wael Dahdouh, filho do diretor do veículo no território palestino, Wael Dahdouh, que ficou ferido num bombardeio e já havia perdido outros dois filhos, a esposa e um neto em um ataque de Tel Aviv.
Até esta segunda (18), pelo menos 95 jornalistas e trabalhadores da mídia foram mortos na guerra entre Israel e Hamas, de acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), citando “investigações preliminares”. Desses, 90 eram palestinos, segundo a entidade.
Dentro do hospital, o cenário era de pânico, segundo pessoas que estavam dentro do prédio. À BBC o vice-diretor do departamento de emergência do Al-Shifa, Amjad Eliwah, afirmou que havia cerca de 20 médicos, 60 enfermeiras e centenas de pacientes no local. Segundo ele, que estava em contato com colegas dentro do hospital, sua equipe tentou se esconder de ataques de drones israelenses após ouvir tiros por volta das 2h30 locais (21h30 de domingo em Brasília).
“Qualquer pessoa na área do hospital foi alvo”, disse o médico à rede britânica. “Há muitos feridos, pessoas estão sangrando. Minha equipe está escondida nos corredores -eles receberam ordens de um alto-falante para não se moverem.”
Ainda de acordo com o relato de Eliwah à BBC, Israel invadiu duas escolas nas proximidades do hospital, prendeu os homens que estavam ali e ordenou que as mulheres saíssem do local. Segundo as forças israelenses, 80 pessoas foram presas durante a operação.
Mohammad Ali, 32, pai de dois filhos, mora a cerca de um quilômetro do hospital e disse à agência de notícias Reuters ter ouvido sons de explosões durante a madrugada. “Não sabemos o que está acontecendo, mas parecia uma reinvasão da Cidade de Gaza”, afirmou.
“Estamos trabalhando apenas com primeiros socorros, essencialmente, não podemos operar porque não há luz nem água”, afirmou à BBC, de dentro do hospital, o residente Amer Jedbeh. “Uma bomba atingiu nosso prédio no primeiro andar, ferindo várias pessoas. Um homem morreu, não pudemos salvá-lo.”
Segundo o Hamas, um incêndio começou na entrada do complexo, causando casos de sufocamento entre mulheres e crianças deslocadas que estavam abrigadas no hospital. Ainda de acordo com o grupo terrorista, a comunicação foi interrompida, e pessoas ficaram presas dentro das unidades de cirurgia e emergência.
“Existem vítimas, incluindo mortes e feridos, e é impossível resgatar alguém devido à intensidade do fogo”, disse o Ministério da Saúde do território palestino.
Enquanto isso, o Exército israelense distribuiu panfletos ao redor do hospital para pedir o esvaziamento do local.
“A todos os que estão deslocados em Al-Shifa e arredores: vocês estão em uma zona de combate perigosa. O Exército de Israel está operando com força em suas áreas residenciais para destruir a infraestrutura terrorista”, disse o comunicado, que ordenou que as pessoas seguissem pela estrada costeira em direção a Al-Mawasi, no sul do território.
O Exército emitiu imagens granuladas de drones da operação que, segundo eles, mostravam tropas sendo alvejadas de vários prédios no complexo hospitalar. Imagens que circularam nas redes sociais pareciam mostrar um tanque israelense bloqueando o portão principal do hospital.
Em comunicado, o Hamas afirmou que o Exército israelense cometeu um novo crime ao atacar diretamente os prédios do hospital sem se importar com pacientes, equipe médica ou pessoas deslocadas.
Esta é a segunda vez que o Al-Shifa é invadido -na primeira, em novembro, Israel foi duramente criticado. Tel Aviv afirmou na ocasião ter descoberto túneis que teriam sido usados como centros de comando e controle pelo Hamas. Tanto o grupo terrorista quanto a equipe médica negam que o centro de saúde tenha sido usado para fins militares ou para abrigar combatentes.
A Cidade de Gaza foi um dos primeiros alvos de Tel Aviv após o início da guerra, que começou após o Hamas atacar o sul de Israel no dia 7 de outubro, matar cerca de 1.200 pessoas e sequestrar 250. Desde então, o revide israelense matou 31.726 pessoas e feriu outras 73.792, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas desde 2007.
Após o ataque, Israel limitou a entrada de ajuda humanitária, provocando fome entre a população de Gaza e inutilizando hospitais em quase todo o território palestino, incluindo o Al-Shifa. Nesta segunda, um relatório da CIF (Classificação Integrada das Fases de Segurança Alimentar) apoiado pela ONU mostrou que metade dos habitantes de Gaza -1,1 milhão de pessoas- sofre de fome “catastrófica”.
Nesta segunda, o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, afirmou que Israel está usando a fome como arma de guerra. “Gaza já não está à beira da fome, mas num estado de fome que afeta milhares de pessoas”, disse ele na abertura de uma conferência sobre ajuda humanitária ao território palestino, em Bruxelas. “Israel está provocando a fome.”
Civis e organizações humanitárias aguardam novidades de um possível cessar-fogo. Nesta segunda, Israel deve enviar uma delegação de alto nível liderada pelo chefe de inteligência do país ao Qatar. O acordo poderia dar uma trégua de seis semanas nos combates, durante a qual o grupo terrorista libertaria 40 reféns, disse uma autoridade israelense à Reuters.
Esta fase das negociações poderá demorar pelo menos duas semanas, estimou o responsável, ao citar dificuldades que os delegados estrangeiros do Hamas possam ter na comunicação com o grupo no território após mais de cinco meses de guerra.