(FOLHAPRESS) – A renda de produtores rurais que fica isenta de Imposto de Renda cresceu mais de 210% (140% acima da inflação) entre 2017 e 2022 dentro do grupo que constitui o 0,1% mais rico da população adulta brasileira.
A parcela da renda da atividade rural que ficou fora da cobrança dos impostos pela Receita Federal chegou a R$ 101 bilhões em 2022. A fatia que corresponde à população 0,1% mais rica do país ficou com quase a metade (42%) dessa isenção.
Enquanto nesse grupo a renda rural triplicou em valores nominais no período de cinco anos, na média dos declarantes o crescimento foi de 74% (ou 32% acima da inflação), segundo o estudo do economista Sérgio Gobetti.
Os dados do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) mostram um aumento significativo da concentração no topo da pirâmide de renda do Brasil. A renda da classe média e dos mais pobres permaneceu quase estagnada em termos reais, enquanto a dos mais ricos cresceu a ritmo chinês (49% acima da inflação).
“O aumento da renda da atividade rural, junto com o aumento do volume de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas, ajuda a explicar porque os mais ricos tiveram um crescimento de renda muito superior à maioria da população brasileira ao longo do governo Bolsonaro”, explica Gobetti.
Os resultados indicam que, além de ter crescido bem acima da média da população, a renda da elite subiu mais nos estados em que, em geral, a economia é dominada pelo agronegócio, chegando a uma alta nominal de 184% no Mato Grosso no estrato social constituído pelo 0,1% mais rico.
Em Mato Grosso do Sul, a renda dessa elite cresceu 161%, no Amazonas, 141%, em Tocantins, 134% e em Goiás subiu 120%. Já em São Paulo, a renda dos super-ricos cresceu praticamente igual à média do Brasil -84% em valores nominais ou 40% em termos reais no estrato do 0,1% mais rico.
O governo vai tentar corrigir algumas das distorções que têm sustentado esse quadro nas discussões da segunda etapa da reforma tributária, que vai atingir os impostos sobre a renda e o patrimônio.
A equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem até o final de março para enviar o projeto com as mudanças ao Congresso. A revogação da isenção tributária sobre lucros e dividendos é prioridade da pauta de reforma.
Na primeira fase da reforma, dos impostos sobre o consumo, a bancada do agronegócio colocou pressão nas negociações e conseguiu vantagens para as empresas do setor no novo modelo. A bancada foi uma das mais atuantes na medição de força com os representantes da indústria, que contavam com um tratamento menos favorecido para o agronegócio para que a alíquota padrão do novo imposto fosse menor.
Pesou nesse jogo de forças o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), no ano passado, puxado pelo setor agropecuário, sobretudo no primeiro trimestre de 2023, que ficou muito acima do esperado. Em defesa das exceções para o agronegócio na reforma, os parlamentares argumentaram que, a depender do resultado final, o crescimento da economia poderia ficar comprometido.
Nessa segunda fase, a expectativa é que o setor agropecuário aumente a pressão, como já fez nas negociações do projeto da reforma do IR durante o governo Bolsonaro. O projeto foi aprovado pela Câmara com ampla maioria, mas depois ficou na geladeira no Senado. A ideia do governo Lula é enviar um novo texto.
Os relatórios da Receita Federal que serviram de base para o estudo de Gobetti, que é pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), também mostram que os produtores rurais são a atividade que, nos últimos anos, obteve o maior nível de isenção entre os declarantes do IRPF.
Para o economista, os dados da renda mostram que essas distorções precisam ser revistas urgentemente.
Em 2022, 460 mil pessoas declararam possuir como ocupação principal a produção agropecuária e conseguiram que 69,3% de suas rendas ficassem isentas.
O porcentual é considerado elevado pelos especialistas, sobretudo pelo fato de estar beneficiando pessoas muito ricas e não apenas o “pequeno produtor”. Segundo Gobetti, esse “achado” da pesquisa mostra a importância de se promover uma revisão geral das isenções que vigoram na legislação do IR e que, em geral, beneficiam as pessoas e famílias mais privilegiadas, seja no setor rural ou em outros segmentos da economia.
No caso da atividade rural, segundo o economista, a legislação permite que, simplificadamente, apenas 20% do faturamento dos produtores componha a base de cálculo do tributo. Essa é a regra aplicável ao ruralista que opta por declarar a renda da sua atividade como pessoa física.
Os produtores que constituem empresas para exercer a atividade, porém, também usufruem de um nível semelhante de isenção, neste caso devido à não tributação de lucros e dividendos.
No Brasil, cerca de 2,5 milhões declarantes se definem como dirigente ou presidente de empresa e possuem uma isenção média de 69% –a segunda ocupação mais isenta, segundo os dados da Receita, praticamente empatada com a dos produtores rurais.
O que mais chama a atenção nos dados é que o desempenho positivo da renda dos super-ricos ocorreu em um período em que a economia patinou e a maioria dos brasileiros teve expansão modesta de sua renda, próxima ou até abaixo da inflação.
“Isso mostra que o crescimento da renda dos mais ricos não se espalha para o resto da sociedade, como previam algumas teorias da década de 70 e 80”, diz Gobetti.
Caso o Congresso revogue a isenção de lucros e dividendos, muitos produtores que hoje têm empresas poderão optar em declarar parte de sua renda como pessoa física para usufruir da isenção específica do setor. Por isso, há o diagnóstico da necessidade de revisar globalmente as isenções e o modelo atual, eliminando as brechas de planejamento tributário.
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