SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se tem uma coisa que a atriz Irene Ravache se arrepende neste vida é de não ter ficado mais tempo ao lado dos filhos. Ela diz sentir que a sua ausência, por causa do trabalho, fez com que os meninos, hoje homens com mais de 50 anos, corressem alguns perigos. O mais velho, Hiram, começou a usar drogas quando era mais jovem. Irene se culpa por isso.
“É inevitável não pensar: onde eu estava quando tudo começou? Por que não vi? Mas não vemos, inclusive, porque a primeira reação que o usuário tem é mentir, e aprendem a mentir melhor do que um ator”, ela diz, em conversa com a reportagem. A atriz, que acaba de estrear uma peça e poderá ser vista em breve em três longas, comemora a chegada dos 80 anos nesta terça-feira (6)
Fora do ar desde “Éramos Seis” (Globo, 2020), Irene afirma que não tem visto muito o que se passa nas novelas, já que a TV não a seduz como antigamente.
E também critica autores que deixam de lado artistas experientes e optam por selecionar novos talentos pela grandiosidade de seus perfis em redes sociais. “Que sejam dadas as oportunidades, mas em cima de quê? Se for em cima de seguidor, acho um tiro no pé”. Confira mais trechos da entrevista abaixo.
PERGUNTA – Que balanço faz da chegada aos 80 anos?
IRENE RAVACHE – Fui tocando a vida como a grande maioria das pessoas faz, sem grandes planos. A única coisa que planejei foi a chegada do meu segundo filho [Juliano, 51], mas o restante foi tudo acontecendo, e na carreira a mesma coisa. Quando olho para a minha trajetória, vejo um lastro e um rastro. Avalio alguns acertos, algumas topadas, alguns erros, e nessa caminhada o que realmente me ajudou foi a terapia.
P – Você se cobra muito?
IR – Digo uma coisa do espetáculo que estreio agora [‘Alma Despejada’, no Teatro dos Quatro (Rio)] : sempre fui mediana, e é como me vejo, não sou excepcionalmente em nada, não tenho grande inteligência nem nenhum grande feito, mas não sou completamente desapercebida. Gosto de frisar isso, pois as pessoas, às vezes, dão um valor exagerado tanto para os seus feitos quanto para as suas dores. Mediana sem medo de ser medíocre, no sentido pejorativo da palavra. Uso a palavra ‘velha’, não tenho medo, assim como nunca tive medo da palavra ‘nova’. Tenho bons exemplos de velhos dentro da minha casa.
P – Se arrepende de alguma coisa na vida?
IR – Um monte de coisas. Algumas eu ainda tento retomar ou dar uma nova perspectiva, mas há outras que talvez só numa nova encarnação. Desde algo simples, como ter sido mais aplicada nas aulas de ginástica, até minha vida profissional, onde eu poderia ter me dedicado mais a alguns aspectos da carreira. Por exemplo: poderia ter me dedicado mais à preparação para estar pronta para fazer um musical. Até posso fazer, mas não estou pronta.
P – Em seu lado pessoal, algum arrependimento?
IR – Não ter ficado em tempo integral com meus filhos. Trabalhei e viajei muito até eles fazerem seis anos. E esse período é tão definitivo e importante que não sei como pode passar pela minha cabeça que eu tinha outras coisas a fazer. Essa deveria ter sido a minha principal função, uma obrigação. Acredito que alguns fatores poderiam ter sido diferentes. Meus filhos dizem para mim que sou maluca por pensar assim, mas eles passaram alguns perigos que eu poderia ter interferido de outra forma.
P – O mais velho, Hiram, hoje com 58 anos, viciou-se em drogas e chegou a ser internado. É a isso que se refere quando fala em ‘perigos’?
IR – Quando um filho usa droga, é inevitável o pensamento: onde eu estava quando tudo começou? Por que não vi? Mas não vemos, inclusive, porque a primeira reação que o usuário tem é mentir, e aprendem a mentir melhor do que um ator. Mas isso ficou bem no passado, meu filho hoje é psicólogo especializado em distúrbios de drogadição e está limpo desde 1995. Mas fica um arrependimento de não ter estado mais tempo ou sido mais perspicaz para perceber.
P – Após passar por isso, o que diz com relação à descriminalização das drogas?
IR – Sou careta, sempre fui, acho droga um horror. Não sou aquela que é a favor da legalização. Não é preconceito, mas um conceito formado. Por que fazer uso de algo que é destruidor? Sempre convivi com pessoas que bebiam ou que usavam alguma coisa, mas não estava convivendo com a destruição, eram pessoas que pareciam saber o que estavam fazendo, passavam ilesos pelas consequências.
P – Aos 80 anos, você tem três filmes para lançar e acaba de estrear a peça ‘Alma Despejada’ no Rio. Fale sobre esse momento.
IR – Essa peça eu fiz antes da pandemia, um texto premiado que estreamos com casas lotadas, mas precisamos parar. Voltamos em 2023, em São Paulo, e agora, após excursão pelo Sul, retorno com o espetáculo ao Rio. Sou carioca, moro há muitos anos em São Paulo, mas vou comemorar meus 80 anos na minha cidade, no palco. E esses filmes que serão lançados agora são o ‘O Clube das Mulheres de Negócios’, ‘Os Enforcados’ e ‘Passagrana’. São três papéis completamente diferentes.
P – Não vemos mais você em novelas. Por quê?
IR – Meu contrato com a Globo terminou em fevereiro de 2023. Tive alguns convites, mas eles conflitavam com a agenda de teatro, e eu não tenho habilidade de fazer TV e teatro simultaneamente. Privilegiei os palcos. Os filmes aconteceram nos intervalos, o que foi ótimo. Mas ainda não tenho previsão para voltar à TV. Me vejo num momento de paixão com o teatro.
P – Bons papéis para atores com mais de 60 anos estão em falta?
IR – Acho que na televisão, principalmente. Não por falta de talento, mas creio que seja por uma escolha dos autores mesmo. Não contra o idoso, mas por não quererem desenvolver um bom papel que não seja o vovozinho ou vovozinha. Temos atores com muito talento que ficam sem mercado de trabalho. É uma pena isso. O público teve tempo de nos conhecer, então existe um voto de confiança. Os telespectadores sentem falta de Lima Duarte, Rosamaria Murtinho, pois sabem do que eles são capazes.
P – Você é contra dar grandes papéis a atores e atrizes que nunca trabalharam na TV?
IR – Todos nós tivemos um dia uma oportunidade, mas não era ao acaso. Os diretores iam aos teatros, viam o jovem ator, enxergavam possibilidades, o domínio de voz, de corpo, e davam a chance maior. Quando a oportunidade é dada pelo número de seguidores de mídia social, me parece que há um grande equívoco, e a prática tem se mostrado assim. Que sejam dadas as oportunidades, mas em cima de quê? Se for em cima de seguidor, acho um tiro no pé para a teledramaturgia.
P – Tem assistido à TV? Remakes?
IR – Analisando a TV agora, eu vejo pouco, porque acaba não despertando meu interesse, não me seduz. Não sou contra os remakes, mas às vezes penso que é bom não mexer, a história original se perde. Para fazer releitura tem de ser bom de serviço, ter comprometimento, não pode ser de qualquer jeito. Mudar só por mudar, nem de casa é bom. ‘Romeu + Julieta’ (1996), o filme protagonizado pelo Leonardo DiCaprio, por exemplo, é uma preciosidade de uma releitura, mas tudo o que era precioso da história original está lá.