(FOLHAPRESS) – Mapeamento feito pela Abstartups (Associação Brasileira de Startups) entre agosto e setembro do ano passado, com cerca de 2.500 empresas no país, mostrou que, apesar de 96,8% dos fundadores declararem que seus negócios apoiam a diversidade, 60,7% não têm ações voltadas à inclusão.
A falta de planejamento para fazer contratações mais plurais contribui para o cenário, mas não responde sozinha por ele. Segundo a vice-presidente da Abstartups, Ingrid Barth, a composição inicial desses empreendimentos reproduz a falta de diversidade de seus fundadores.
Mulheres, por exemplo, ainda são minoria em profissões relacionadas à ciência e à matemática -o que acaba por se refletir no ambiente em que são criadas as startups, empresas inovadoras que muitas vezes têm tecnologia como base, diz Barth.
A pesquisa da Abstartups aponta ainda que 19,1% dos negócios ouvidos não tinham nenhuma mulher na equipe e só 21% as tinham como maioria em sua composição -elas correspondiam, em 2021, a 51,1% da população, segundo projeção da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).
Depois do resultado do mapeamento, a Abstartups lançou um guia de referência sobre diversidade, com diretrizes para associados trabalharem a inclusão nas empresas.
Sócia da consultoria Indique uma Preta, que conecta profissionais e empresas, Dani Mattos diz que existe, muitas vezes, uma falsa impressão de diversidade nas startups.
“A gente vê clientes que contratam pessoas jovens e mais progressistas e pensam ‘nós já somos diversos'”, diz. Mas, para ser efetiva, a diversidade precisa refletir a composição da sociedade, afirma.
A especialista diz também que muitas dessas empresas não colocam programas de inclusão em prática por falta de conhecimento sobre como criar metas e tirá-las do papel e por receio de embarcar em processos complexos -como a adaptação dos espaços, para que sejam acessíveis.
Para Mattos, o processo de ampliação da diversidade não pode estar restrito a grupos de discussão -e, sim, deve ser capaz de promover uma mudança de cultura na empresa.
A discussão em torno de práticas ESG, sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa, também tem pressionado startups para que elas desenvolvam negócios diversos, não apenas disruptivos e escaláveis.
A economista Amanda Graciano, sócia da Fisher Venture Builder, especialista em conectar startups e corporações, diz que o mercado tem esperado que os investimentos gerem retorno financeiro e também impacto positivo.
Além de mais diversidade entre funcionários, a expectativa é ter inclusão em cargos de liderança, na diretoria e até na composição societária.
Mas, quando empresas estabelecem requisitos como cursos de idiomas e MBA para cargos de direção, elas limitam o perfil desses postos, porque poucos profissionais têm acesso a esse tipo de educação, acrescenta Graciano.
A pesquisa da Abstartups mostra ainda que, entre os sócios-fundadores, 73,8% são homens, 92,1% são heterossexuais e 69% são brancos. Pretos e pardos somam 25%. Segundo a Pnad Contínua de 2021, 56,1% da população se declara preta ou parda.
A Movile, investidora que controla marcas como iFood, Sympla e Playkids, tem um programa de aceleração de lideranças que desenvolve habilidades pessoais e profissionais de funcionários negros.
A primeira turma, que terminou a formação no mês passado, conta com 30 gerentes e gerentes-sêniores. A meta é que ao menos 70% deles assumam uma posição superior em até dois anos.
Para Angélica Souza, líder de diversidade, equidade e inclusão da empresa, políticas como essa ajudam na retenção de talentos.
“Não adianta ter uma única pessoa [que representa minoria ou grupo minorizado] em uma sala. Essa pessoa não consegue ter voz, não consegue se posicionar para trazer suas ideias e não é ouvida. Para a diversidade ser efetiva no ambiente, é preciso um grupo para validar e dar suporte.”
Estudos mostram, diz ela, que ao menos 30% de uma equipe deve ser composta por grupos subrepresentados para que ela seja efetivamente diversa.
Victoria Napolitano, 26, mulher trans, assumiu no fim de 2021 o cargo de coordenadora de diversidade, equidade, inclusão e bem-estar na techfin (empresa de tecnologia e dados que oferece serviços financeiros a outros negócios) Pismo, seis meses depois de ser contratada como analista-sênior de recursos humanos.
Antes, ela atuou em uma fintech de grande porte por três anos, depois de participar de uma seleção para pessoas trans do programa Trans- Emprego. Victoria conta que passou por situações desconfortáveis nesse ambiente.
Segundo ela, muitas vezes o peso de explicar aos colegas de trabalho sobre conceitos relativos a essa comunidade fica nas costas desse grupo -o que é cansativo e prejudica a inclusão, diz.
Victoria entrou no setor de startups em 2019, depois de participar de uma edição do programa Women Will, do Google, voltado a mulheres trans, com treinamento de habilidades digitais e mentorias. A iniciativa foi essencial para que ela refletisse sobre sua perspectiva profissional, conta.
“Sempre foi muito difícil ter aspirações ou pensar onde eu ‘posso estar’, justamente pela falta de representatividade e visibilidade de que pessoas trans podem crescer fora de espaços marginalizados.”
Ela diz que startups ainda avançam a passos lentos rumo à inclusão porque não tratam a diversidade como outras áreas, de forma técnica, com investimento em contratações e programas de treinamento profissional.
“Só vamos chegar lá nos próximos anos se pensarmos em meta, análise de dados, planejamento. Somos diruptivos nos negócios, mas muito conservadores nos programas de diversidade.”
Hoje à frente da área de diversidade na Pismo, Victoria conduz um programa de mentorias em parceria com a ONG Educação TRANSforma, que capacita pessoas para o mercado de TI e ajuda a fazer contratações. Depois de realizar uma pesquisa com colaboradores, ela está estabelecendo métricas e parâmetros que serão usados nas políticas de inclusão da empresa.
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