JÚLIA BARBON
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A inflação na Argentina bateu um novo recorde em maio e chegou a 109% no acumulado dos últimos 12 meses, o maior valor em quase 32 anos. Para se ter uma ideia, o aumento dos preços do país em um único mês (8,4%) representa o dobro do registrado em todo o último ano no Brasil (4,2%).
Os índices de preços ao consumidor de ambos os países foram divulgados nesta sexta-feira (12), pelo Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censo) do lado argentino e pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) do lado brasileiro.
O número da nação vizinha ficou acima do esperado, mesmo que as expectativas já fossem de alta em relação a março. Desde o início do ano, os argentinos convivem com uma inflação de três dígitos, o que significa que o valor do peso “derrete” rapidamente, dificultando a poupança.
Novamente, o que mais puxou os custos foram os alimentos, afetados por uma seca histórica que comprometeu praticamente metade das colheitas dos principais produtos. Roupas, restaurantes e hotéis também registraram uma alta acima da média.
“Se gostou melhor levar logo, que esse é o último dia com esse preço”, diz a vendedora Cecilia Díaz, 58, mostrando uma calça verde à cliente em um brechó de Palermo, um dos bairros turísticos de Buenos Aires. A zona vive inundada por brasileiros recentemente, atraídos pelos baixos preços.
“A chave para entender a inflação argentina é basicamente o grande déficit fiscal. Com décadas de inflação e um mercado financeiro pequeno, o Estado não consegue emitir títulos suficientes para sanar o déficit, então começa a imprimir dinheiro, e seu valor cai”, diz o economista Fausto Spotorno, diretor da consultoria OJF e coordenador da escola de negócios da Universidade Argentina da Empresa (Uade).
A inflação do último mês também foi pressionada por uma forte corrida cambial. O dólar paralelo “blue”, que dita o dia a dia da Argentina, passou por uma escalada ininterrupta por 15 dias em maio e só baixou depois de fortes intervenções do governo peronista de Alberto Fernández.
A divulgação da inflação desta sexta, notícia negativa para o presidente, foi rodeada de polêmicas políticas. O Indec anunciou na semana passada que adiaria a publicação do número para segunda (15), para evitar interferência nas eleições provinciais que acontecerão neste domingo (14) no país.
A medida, porém, foi considerada um favorecimento a candidatos governistas, e o instituto recuou. O diretor Marco Lavagna manteve as datas estabelecidas um ano antes e, em nota, “lamentou que a intenção de separar o trabalho estatístico do processo eleitoral tenha sido mal interpretada”.
Com os preços que não param de subir, o ministro da Economia, Sergio Massa, anunciou nesta semana mais uma leva de aumentos nas aposentadorias, pensões e benefícios sociais após 90 dias, assim como no piso para o pagamento do imposto de renda.
Se há um ano tinham que declarar imposto os que ganhavam acima de 225 mil pesos argentinos, agora só terão que declarar os que ganham acima de 506 mil (o equivalente a cerca de US$ 1.100 ou R$ 5.600 na cotação paralela). O aumento é de 125%, portanto acima da inflação acumulada.
A Previdência e as bolsas dadas pelo governo às famílias de baixa renda também tiveram um incremento de 130%, acima da inflação no último ano -uma alta real de 7%, segundo Massa. Com isso, um aposentado argentino ganhará a partir de 121.407 pesos em junho (US$ 260 ou R$ 1.300).
“Não é gasto, é investimento”, defendeu o ministro, pré-candidato à Presidência pelo setor mais kirchnerista do governo. “Não é só para garantir o poder de compra dos aposentados, mas também pelo impacto que essas pessoas têm no mercado interno. A Argentina tem três motores da economia: mercado interno, exportações e investimento, e claramente o mercado interno é o pilar mais importante.”
Para o consultor Spotorno, as medidas devem ter impacto limitado. “O governo quer evitar que as pessoas tenham problema de renda, ainda mais em ano eleitoral, mas isso vai acabar acontecendo de qualquer jeito porque será um ano de recessão”, afirma.
Nesta sexta, antes da divulgação dos números da inflação, a Casa Rosada também impôs novas restrições para compras no exterior, com o objetivo de frear a saída de dólares do país –um argentino só pode adquirir até US$ 200 (cerca de R$ 1.000) por mês oficialmente, por exemplo.
Agora, para comprar um vale-presente com cartão de crédito ou débito por meio de um site estrangeiro como a Amazon, também será preciso pedir autorização prévia do Banco Central, assim como já ocorria com joias, apostas e criptomoedas.
O país sofre com a falta da moeda americana, o que dificulta o pagamento de um empréstimo de US$ 44 bilhões contraído em 2018 com o FMI (Fundo Monetário Internacional). O governo tenta negociar os prazos de pagamento e apressar o cronograma de desembolsos do fundo, e para isso busca o apoio do Brasil e dos Estados Unidos.
Na semana passada, o presidente Fernandez viajou a Brasília e se encontrou com Lula (PT), que se comprometeu a ajudar. Nesta quinta (11), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conversou sobre o assunto com a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, no Japão. Os americanos são os maiores cotistas do FMI.
A Argentina vive mergulhada em instabilidade econômica. Em 40 anos de democracia, completados neste ano, atravessou nove grandes crises, conservando até hoje o mesmo PIB per capita daquela época. Fernández é visto como incompetente para resolver a crise, e Massa, como alguém colocado para “segurar as pontas” até as eleições de outubro, entregando o abacaxi ao próximo governo.
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