(FOLHAPRESS) – A redução na projeção de inflação para este ano indica um alívio no bolso das famílias, mas pode levar mais aperto aos ajustes finais da proposta de Orçamento de 2024. Segundo cálculos de economistas ouvidos pela Folha, as novas estimativas reduzem em até R$ 6 bilhões o espaço que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá para gastar no ano que vem.
A pressão sobre as despesas ocorre por causa do formato do novo arcabouço fiscal, ainda pendente de uma última votação na Câmara dos Deputados, mas cujo desenho já será usado para balizar o envio do PLOA (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2024.
A regra prevê um limite de gastos corrigido pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado em 12 meses até junho, mais um percentual real atrelado à variação das receitas e que deve ficar entre 0,6% e 2,5% ao ano. Há ainda a possibilidade de incorporar um limite maior, condicionado à aprovação de um crédito suplementar, caso a variação dos preços tenha aceleração até dezembro.
Na prática, o Orçamento de 2024 será enviado com uma correção de 3,16% (inflação acumulada até junho), sem contar o ganho real, mas a ampliação efetiva do limite chegará a 4,85% apenas pela inflação, segundo a projeção mais recente da SPE (Secretaria de Política Econômica).
O dado para 2023 é menor do que os 5,58% estimados em maio. Para as famílias, trata-se de um prognóstico positivo ao indicar que os produtos devem subir menos do que o esperado. Até o governo se beneficia por um lado, já que parte de suas despesas é corrigida por índices de preços -como benefícios previdenciários e seguro-desemprego.
No entanto, o efeito negativo sobre os gastos fala mais alto. Cálculos feitos pelo economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, a pedido da Folha, mostram que a inflação menor deve reduzir a despesa em R$ 8,7 bilhões, enquanto o limite total do novo arcabouço terá uma diminuição de R$ 14,8 bilhões.
“Teríamos um ‘aperto’ adicional da ordem de R$ 6 bilhões apenas da mudança da grade de parâmetros”, diz Sbardelotto. Para ele, no contexto de um Orçamento já desafiador para o governo, a perda desse espaço pode ter efeito não desprezível sobre as políticas.
“O governo depende fortemente de receitas adicionais para ter uma execução tranquila em 2024. Caso contrário, terá de fazer um contingenciamento obrigatório de mais de R$ 50 bilhões. Em um Orçamento tão apertado e com tantos riscos, esses R$ 6 bilhões podem fazer a diferença”, afirma.
O consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Ricardo Volpe chegou a números semelhantes. Segundo ele, o limite geral de gastos deve ter menos R$ 15 bilhões, enquanto o alívio proporcionado pelo aumento menor de despesas atreladas à inflação é de quase R$ 10 bilhões. Ele fala num efeito líquido negativo de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões para o governo federal.
Volpe lembra, porém, que a desaceleração da inflação tem outros efeitos positivos para o governo. Ao abrir caminho para o corte da taxa básica de juros, a Selic, isso reduz a conta de juros da União. Cada 1 ponto percentual a menos na Selic (hoje em 13,75% ao ano) poupa cerca de R$ 30 bilhões.
As despesas com juros, porém, são gastos financeiros, e sua redução não abre espaço no arcabouço -que contempla apenas despesas primárias, uma outra categoria no Orçamento público.
A redução da folga fiscal de Lula no ano que vem pode ser um complicador num cenário em que fechar o Orçamento de 2024 já tem se mostrado uma tarefa desafiadora.
Com a revogação do atual teto de gastos, os pisos constitucionais de Saúde e Educação, vinculados à arrecadação, voltarão a valer. Essa simples mudança pode ocupar um espaço de R$ 30 bilhões a R$ 35 bilhões dentro do novo limite de despesas, segundo cálculos de economistas.
Os técnicos ainda precisam respeitar o novo piso de investimentos, reservas para emendas parlamentares e a nova política de valorização do salário mínimo.
Fontes do governo admitem que a revisão das projeções pode gerar alguma compressão nos gastos, mas ressaltam que, neste momento, outras variáveis podem se alterar. Por isso, elas defendem aguardar os números finais para obter um retrato fiel da situação.
Há ainda o temor de que a Câmara derrube uma mudança feita no Senado a pedido do Ministério do Planejamento e Orçamento, que permite ao governo já incorporar no envio do Orçamento de 2024 as despesas que serão bancadas com o crédito suplementar da inflação.
Segundo cálculos internos do governo, esse crédito hoje é estimado em R$ 32,1 bilhões. Sem a autorização para as despesas ficarem condicionadas, o Planejamento teria de cortar investimentos, inclusive os do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), criando uma situação embaraçosa do ponto de vista político.
Em 2022, o governo Jair Bolsonaro (PL) acenou com novas flexibilizações no teto de gastos caso fosse reeleito, mas precisou enviar a proposta de Orçamento de 2023 com uma série de cortes em programas sociais diante das restrições impostas pela regra em vigor. O impasse foi usado pela oposição para desgastá-lo durante a disputa eleitoral.
GOVERNO MELHORA PROJEÇÃO PARA PIB E COBRA CORTE DE JUROS
As novas projeções do governo foram anunciadas pela SPE nesta quarta-feira (19). A melhora nas estimativas para a inflação neste ano ocorreu na esteira da redução de preços de combustíveis, dos reajustes menores em planos de saúde e da desaceleração de preços já observada nos primeiros seis meses.
Já o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) melhor que o esperado no primeiro trimestre e a expectativa de queda na taxa de juros levaram o Ministério da Fazenda a elevar sua projeção para o crescimento da economia em 2023, de 1,9% para 2,5%.
Os novos números mostram alguma proximidade com as projeções do mercado. O Boletim Focus, divulgado na segunda-feira (17) pelo Banco Central, indica que a expectativa dos agentes é de uma alta de 2,24% no PIB e de um avanço de 4,95% na inflação este ano.
A desaceleração da inflação retratada na estimativa do governo mostra um índice já próximo da meta a ser perseguida pelo BC, que é de variação de 3,25% com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos. Na prática, uma alta de preços de até 4,75% significaria cumprimento do alvo da política monetária.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, disse em entrevista coletiva que há chances mais elevadas de encerrar o ano com a inflação dentro da meta estipulada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).
Para o ano que vem, a expectativa da SPE é que o IPCA encerre com uma alta de 3,3% -acima do centro da meta para o ano (3%), mas dentro do intervalo permitido (1,5% a 4,5%).
O comportamento mais benevolente dos preços em geral, apesar de uma inflação ainda resiliente em serviços, tem sido usado pelo governo Lula como um argumento em favor do corte da taxa de juros pelo Copom (Comitê de Política Monetária). Economistas preveem que o colegiado deve iniciar um ciclo de redução da Selic já na próxima reunião, em agosto.
Durante a entrevista, Mello deu particular ênfase à visão do governo de que já há condições consolidadas para começar o corte nos juros. “Não há nenhuma razão técnica para a taxa de juros brasileira estar no nível que está hoje”, disse.
O secretário afirmou que o Brasil tem hoje a maior taxa de juros real do mundo, uma vez que a Selic segue em 13,75% ao ano, enquanto a inflação já desacelerou para níveis entre 3% e 4%. “O Brasil é o Botafogo do campeonato mundial de taxa de juros”, disse, em alusão ao clube que lidera a série A do campeonato brasileiro com larga margem perante seus adversários.
Segundo Mello, essa “liderança” tem impactos deletérios sobre o mercado de crédito, a economia e as variáveis fiscais.
Com a Selic neste patamar, o gasto com juros pode chegar a R$ 680 bilhões neste ano. “Isso é maior do que o Orçamento dos ministérios da Educação, da Saúde e do Desenvolvimento Social juntos”, criticou. “Praticamente todo o gasto social do Brasil é inferior ao volume de pagamento de juros.”
Ele estimou que um corte de 1 ponto percentual na taxa de juros pode poupar até R$ 40 bilhões nessa fatura.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Mello já havia antecipado que as projeções de PIB teriam uma melhora em julho e que o desempenho nos três primeiros meses do ano seria um fator de influência relevante. “Se o país crescer zero nos outros três trimestres, ainda assim o crescimento ao final do ano vai aparecer em 2,4%”, disse.
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