THIAGO AMÂNCIOWASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O indiciamento de Donald Trump pelo escândalo da compra do silêncio de uma atriz pornô com quem supostamente teve um caso e mesmo sua possível condenação não impedem o republicano de concorrer novamente à Casa Branca.
Os Estados Unidos não têm uma lei equivalente à Ficha Limpa, que impede no Brasil a candidatura de pessoas que foram condenadas por um órgão colegiado (mais de um juiz), tiveram o mandato cassado ou renunciaram para evitar a cassação.
“Você pode estar preso por homicídio e ainda concorrer”, explica Mark A. Graber, professor de direito constitucional da Universidade de Maryland. “Já tivemos candidato na prisão que recebeu 1 milhão de votos.” O professor se refere a Eugene Debs, líder sindicalista que se candidatou cinco vezes à Casa Branca no começo do século passado, as quatro primeiras em liberdade.
Em 1918, porém, Debs foi preso por sedição ao condenar a participação dos EUA na Primeira Guerra Mundial e concorreu à Presidência pelo Partido Socialista da América em 1920 da prisão. Curiosamente foi nessa ocasião que ele teve seu maior número de votos, 914 mil, o que o deixou em terceiro lugar na disputa –deixou a cadeia no Natal de 1921 e foi recebido na Casa Branca um dia depois.
Nos Parlamentos locais isso ainda acontece. O hoje senador da Virgínia Joe Morrissey, do Partido Democrata, foi reeleito deputado estadual em 2015 enquanto passava as noites na prisão, em liberdade condicional, após condenação por manter relações sexuais com uma adolescente de 17 anos.
Isso significa que Trump pode não ser impedido mesmo no caso de avançarem processos considerados mais graves, como tentar fraudar a eleição na Geórgia em 2020 ou manter caixas de documentos secretos em sua casa na Flórida após deixar a Presidência.
A Constituição dos EUA exige apenas que, para se eleger presidente, a pessoa tenha ao menos 35 anos, seja americana nata e esteja no país há pelo menos 14 anos.
Em 1868, porém, três anos após a Guerra Civil Americana, a 14ª Emenda Constitucional foi aprovada proibindo que ocupe qualquer cargo civil ou militar em governos federal ou estadual quem “tiver se envolvido em uma insurreição ou rebelião” contra o governo.
Está aí a brecha para que Trump, já em pré-campanha, seja impedido de concorrer no ano que vem, diz Graber e parte dos constitucionalistas americanos.
O comitê da Câmara dos EUA que investigou o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 recomendou, em dezembro no ano passado, que o Departamento de Justiça indicie Trump, entre outras coisas, por “incitar, assistir ou auxiliar uma insurreição”, e recomendou que ele seja proibido de ocupar cargos públicos com base na 14ª Emenda. O comitê, porém, não tem poder para indiciar ou condenar o ex-presidente.
Não há sinais até agora de que o conselheiro especial Jack Smith, responsável por supervisionar os casos envolvendo Trump no Departamento de Justiça, vá indiciar o ex-presidente por insurreição, avalia Josh Blackman, professor de direito constitucional do South Texas College of Law Houston e pesquisador do Cato Institute.
“Mesmo os membros da milícia de extrema direita Proud Boys não foram indiciados por insurreição, mas por conspiração sediciosa, um grau abaixo. Portanto é improvável que algum tribunal federal condene Trump por isso”, diz Blackman.
Caso isso aconteça, porém, a previsão do especialista é de um cenário de caos jurídico porque os EUA não têm um órgão equivalente ao brasileiro Tribunal Superior Eleitoral, que supervisiona as eleições em âmbito federal. Ou seja, seriam os funcionários de órgãos estaduais os responsáveis por decidir se Trump deveria ou não estar nas cédulas de votação.
“Teríamos cédulas diferentes pelo país, algumas com o nome de Trump e outras não, um caos completo. Nesse caso, [o imbróglio] deveria subir rapidamente para a Suprema Corte, que resolveria o litígio”, diz.
Compra do silêncio
A decisão sobre o indiciamento de Trump no episódio que envolve a compra do silêncio da atriz pornô Stormy Daniels foi revelada nesta quinta-feira (30) pela imprensa americana e deve ser anunciada nos próximos dias.
Na eleição de 2016, ela recebeu um cheque do advogado de Trump de US$ 130 mil para não levar a público a afirmação de que teve um relacionamento com o então candidato anos antes. Já na Casa Branca, Trump reembolsou o advogado e registrou o pagamento nas contas de sua empresa como despesa jurídica.
O episódio já havia sido analisado por procuradores federais em 2018, quando todo o escândalo veio à tona, bem como o de outra modelo que teria recebido US$ 150 mil para não revelar uma relação com Trump.
Os investigadores consideraram o caso uma violação das regras de financiamento de campanha, e o advogado Michael Cohen se declarou culpado. Procuradores chegaram a escrever que Cohen “agiu em coordenação e sob direção” do então presidente, mas Trump nunca foi processado na esfera federal. Agora, o promotor de Manhattan Alvin L. Bragg retomou as investigações.
O assessor sênior de Trump Jason Miller afirmou à Folha que o caso “é uma caça às bruxas política e Trump é completamente inocente”. Em comício no Texas no sábado (25), o republicano afirmou que é investigado “por algo que não é crime, não é contravenção, não é um affair”.
O indiciamento tende a esquentar a corrida eleitoral, uma vez que Trump é o favorito para obter a indicação do Partido Republicano na eleição à Casa Branca do ano que vem. Ele já disse a aliados que quer transformar o indiciamento em um “espetáculo” e que pretende usar algemas em uma possível detenção, em uma tentativa de obter apoio político. O caso, porém, é considerado mais banal do que as outras investigações de que o ex-presidente é alvo e que têm avançado na Justiça.
Em agosto, uma operação de busca e apreensão do FBI, a polícia federal americana, na casa de Trump na Flórida encontrou caixas com mais de 11 mil documentos e fotografias, incluindo 18 classificados de ultrassecretos, 54 secretos e 31 confidenciais, com informações de inteligência sobre países adversários dos EUA como Irã e China.
Trump passou a ser investigado, e o caso tem avançado. Segundo o canal ABC, procuradores de Washington apresentaram à Justiça provas com anotações, recibos e transcrições de áudio de que o ex-presidente cometeu crimes e deliberadamente passou informações falsas a seus advogados sobre o episódio. Ele chamou a reportagem da ABC de desinformação a partir de um vazamento ilegal.
Outra investigação criminal que avança contra Trump é a que apura a tentativa de fraude na Geórgia em 2020, estado onde Biden venceu por margem estreita.
Trump ligou para o secretário de Estado local, responsável pelo controle do pleito, e o pressionou expressamente: “Tudo o que quero é isso: encontrar 11.780 votos, um a mais do que temos [de diferença]. Porque nós ganhamos a Geórgia”. Houve três contagens de votos que confirmaram a vitória de Biden no estado. No ano passado, um juiz afirmou que as alegações eram não só falsas, como Trump sabia que eram falsas e mesmo assim decidiu mantê-las.
No último dia 20, advogados de Trump pediram à Justiça na Geórgia para anular o relatório final do júri que analisa se as provas são suficientes ou não para indiciar alguém. Os advogados argumentaram que os processos são “confusos, falsos e descaradamente inconstitucionais”, e pediram que o promotor do distrito de Fulton, onde fica a capital Atlanta, seja removido do caso.
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