(FOLHAPRESS) – Uma perna ou braço inchados podem não ser uma simples lesão ou problema passageiro. Esses dois sintomas são comuns ao linfedema, uma doença crônica cujo tratamento não consegue trazer a cura para o paciente, mas melhora sua qualidade de vida.
A condição surge por causa de um distúrbio do sistema linfático que não consegue absorver completamente as linfas, líquido presente em todo o corpo -é esse acúmulo que causa o inchaço excessivo dos membros.
A complicação gera diversos problemas para os pacientes, como dificuldade de locomoção. Por conta disso, foi aprovada nesta terça-feira (22) uma lei no estado do Rio de Janeiro que considera uma pessoa com linfedema como alguém com uma deficiência. Para entrar em vigor, o texto precisa ainda da sanção do governador Cláudio Castro (PL).
O texto contou com a participação da Abralinfe (Associação Brasileira de Pessoas com Linfedema e Familiares), uma iniciativa recém-criada, para dar maior visibilidade para a doença.
“É uma lei que veio para promover acessibilidade e angariar direitos aos pacientes com linfedema”, afirma Bruno Socolik, um dos diretores fundadores da associação. Segundo ele, já existe a iniciativa para uma lei semelhante no estado de Minas Gerais e a ideia é fazer, logo após, uma proposta a nível federal.
O diagnóstico do linfedema é feito normalmente por meio da história clínica do paciente. No entanto, a doença ainda é subestimada por parte da comunidade médica, diz Bernardo Batista, cirurgião plástico do hospital AC Camargo e especialista em microcirurgia linfática.
“A conscientização em cima do linfedema tem aumentado, mas ainda é um diagnóstico muito negligenciado”, afirma o médico.
Essa demora no diagnóstico só piora a condição dos pacientes, pois eles têm acesso tardio ao tratamento, que envolve principalmente o uso de faixas que comprimem os membros e de fisioterapia para evitar o inchaço nas áreas afetadas.
Outro dilema envolvendo a terapia é que a doença é crônica, e alguns enfermos não conseguem entender que o cuidado precisa ser constante.
A enfermidade ainda tem diferenças a depender de sua origem. Um dos tipos é o primário, mais raro, que normalmente decorre de um problema na constituição do sistema linfático. Já o tipo secundário é o mais comum: ocorre quando há uma agressão externa a esse sistema, como no tratamento contra o câncer.
“O tratamento do câncer muitas vezes envolve a ressecção [remoção] dos linfonodos [gânglios linfáticos]”, explica Batista.
Quando isso acontece, há um acometimento do sistema linfático, já que os linfonodos são importantes para a absorção adequada das linfas, podendo então causar o aparecimento do linfedema.
Um dos tipos de câncer que se encaixa nesse cenário é o de mama. Batista explica que, em média, 20% das pessoas que fazem tratamentos para tumores nessa região desenvolvem o linfedema secundário.
Por esse tipo de câncer ser um dos que mais atingem as mulheres, a incidência do linfedema, assim, é também mais alta entre elas.
Dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer) estimam que esse tipo de tumor é o segundo câncer com maior incidência nesse grupo populacional –o primeiro é o melanoma, cujo tratamento também pode ocasionar inchaço nos membros.
A advogada Fernanda Gueiros, 38, é uma das mulheres que vivem com a doença no Brasil. Seu diagnóstico foi feito há 19 anos. Um dos principais problemas relatados por ela é como o tratamento impacta a sua vida cotidiana.
“Tudo precisa de uma logística para que funcione. Ao acordar, eu preciso me enfaixar toda e fazer um exercício físico, para o qual é necessário tirar as faixas e depois colocá-las. É complicado”, afirma.
Além das dificuldades que o próprio tratamento já traz, Gueiros avalia que no Brasil ainda não há uma estrutura adequada para quem precisa lidar com a doença.
Um exemplo é que, em outros países, ela diz, peças de vestuário de malha plana, um “material forte, que faz a contenção do membro, mas mantém a mobilidade”, podem ser encontradas em tamanhos variados e sob medida. Por aqui, porém, só há disponibilidade de tamanhos pequenos e pré-definidos.
Gueiros é também uma das diretoras fundadoras da Abralinfe. Ela explica que a ideia de reunir os pacientes para reivindicar visibilidade à doença já é antiga, mas o projeto de formalização da associação em si teve sua primeira reunião só em 2020, durante a pandemia.
“A gente busca com a associação chamar mais atenção das autoridades para a situação das pessoas com linfedema do Brasil”, resume.
Técnicas inovam o tratamento do linfedema Mesmo com essas dificuldades em relação à doença, novas iniciativas no tratamento do linfedema trazem melhorias à qualidade de vida dos pacientes.
Batista explica que, além da fisioterapia e do uso da malha de compressão, três tipos de cirurgias foram desenvolvidas nas últimas décadas e já estão sendo aplicadas em alguns centros médicos brasileiros.
Uma deles é a lipoaspiração, indicada para pacientes em condições avançadas e que contam com uma grande quantidade de gordura localizada nos membros afetados pelo linfedema. Nessas condições, é importante uma operação para a retirada do tecido adiposo residual, diz Batista.
“A gente faz uma lipoaspiração para deixar a perna mais parecida com a outra, tirar esse excesso de tecido que se formou”, exemplifica.
A segunda cirurgia envolve o desvio das linfas que estão paralisadas por meio de um dessecamento de um vaso linfático e de uma veia subcutânea (logo embaixo da pele), criando uma ligação entre esse vaso e a veia.
“[Isso é realizado] para a gente fazer um desvio dessa linfa que está represada ali para dentro do sistema venoso”, conta.
Os resultados desse segundo tipo de operação são promissores, segundo Batista: o índice de mortalidade é baixo e também é visível que os pacientes passam a inchar menos, tendo menor dependência da compressão.
A última operação é a transferência de linfonodos. Ela consiste em movê-los de uma região do corpo que não sofre de linfedema para aquela que tem o problema.
As inovações nas cirurgias, no entanto, não indicam que o paciente será totalmente curado e que deve parar de se preocupar com o autocuidado, destaca o especialista.
Na realidade, diz Batista, é de suma importância que o enfermo continue tomando as medidas cotidianas para reverter os efeitos adversos da doença, até porque essas cirurgias só são feitas quando se percebe que há um nível prévio de compressão adequado.
“Uma otimização da compressão no pré-operatório é importante, porque esses pacientes vão depender de compressão depois, inclusive para otimizar o resultado da cirurgia”, afirma.
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