Mais de 22 mil pessoas morreram de covid-19 em unidades de pronto atendimento (UPAs) do País desde o início da pandemia, após ficarem internadas por mais tempo do que o recomendado por não conseguirem leitos em hospitais. Cerca de 10% das vítimas tinham menos de 60 anos e nenhum fator de risco associado. O levantamento, feito pelo Estadão com base nos dados do sistema de internações Sivep-Gripe, do Ministério da Saúde, leva em consideração pacientes que ficaram internados por dois dias ou mais nessas unidades, prática vedada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Embora tenham estrutura para dar o primeiro atendimento e estabilizar pacientes graves, as UPAs não devem manter o doente por mais de 24 horas, conforme a Resolução 2.079 do CFM, de 2014. Depois desse período, se necessário, a pessoa deve ser encaminhada a um hospital de referência. A resolução também proíbe “a permanência de pacientes intubados no ventilador artificial em UPAs, sendo necessária a imediata transferência a serviço hospitalar”. Não foi o que aconteceu durante a pandemia no Brasil. Desde março do ano passado, as UPAs do País já acumulam 22.463 mortes de pacientes com covid-19 que ficaram internados por mais de 24h. Quase metade desses óbitos, 10.779, foi registrada nos quatro primeiros meses deste ano. O tempo médio de internação foi de 11,6 dias, mas em alguns casos a permanência foi de mais de cem.
Segundo Ederlon Rezende, membro do conselho consultivo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e coordenador da UTI do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, as UPAs não têm condições de manter pacientes internados porque estrutura, equipamentos e equipes não são adequados para o manejo de doentes graves. “A partir da primeira estabilização, o paciente tem de ser transferido, em especial os que necessitam de UTI.”
O especialista explica que, como esse tipo de unidade é voltado ao atendimento somente das urgências, a estrutura não é tão completa. “Esses pacientes precisam de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas especializados. A ventilação mecânica, por exemplo, precisa ser ajustada a cada caso porque pode lesionar o pulmão se for feita por alguém sem especialização.”
O 1º vice-presidente do CFM, Donizetti Dimer Giamberardino Filho, explica que a resolução do conselho que proíbe internações superiores a 24 horas tem como objetivo aumentar a segurança do paciente. “As UPAs também não costumam ter estrutura para fazer exames importantes no acompanhamento de um doente com covid, como uma tomografia.”
Rezende destaca ainda que a sobrecarga nessas unidades pode levar ao desabastecimento de insumos. “Se ela receber uma demanda maior do que está acostumada, pode faltar oxigênio”, explica o intensivista. O insumo chegou a faltar de forma pontual em algumas UPAs da capital paulista no período de pico de internações, em março – conforme funcionários, o sistema não estava preparado para um aumento expressivo e repentino de demanda e não pôde ser reabastecido a tempo.
Internações
Ao todo, o suporte ventilatório invasivo foi usado por 7,1 mil pacientes que ficaram internados em UPAs por mais de 24 horas. Outros 10 mil foram submetidos à ventilação não invasiva e 1.638 não chegaram a usar nenhum tipo de ventilação. Não há informações sobre 2,3 mil pacientes.
A média de idade das vítimas é de 67 anos e 70% delas tinham comorbidades. A maioria das mortes, 5,8 mil, está concentrada na faixa dos 70 a 79. Há ainda um grupo de 2.278 pessoas, cerca de 10% do total, com menos de 60 anos e sem nenhum fator de risco associado. A maior parte dos óbitos, 51%, foi entre pessoas negras, grupo que inclui pretos e pardos.
Dentre as unidades analisadas, a que registrou mais mortes por covid foi a UPA Campo Limpo, na zona sul paulistana. Segundo a Prefeitura, a unidade é referência no atendimento de covid. Desde março do ano passado, 484 pessoas morreram no local por causa da doença.
Recursos
Questionado sobre a internação de pacientes graves, o Ministério da Saúde informou que “não autorizou a adaptação de UPAs para centro de atendimento à covid-19”, mas que forneceu apoio financeiro, em caráter extraordinário e temporário, a municípios que solicitaram recursos para custear leitos de suporte ventilatório pulmonar para atender pacientes leves e moderados. O investimento, diz a pasta, foi de R$ 57,9 milhões.
O ministério disse ainda que, para evitar a saturação das UPAs, “atua constantemente na ampliação do número de leitos tanto de UTI quanto de suporte ventilatório em estabelecimentos de saúde.” “Até o momento, já foi autorizado o custeio para mais de 22 mil leitos de UTI exclusivos para o atendimento de pacientes com covid-19, com investimento de R$ 2,2 bilhões”, disse o órgão, em nota.
A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo disse que a resolução do CFM “foi instituída em momento livre de pandemia, situação que exige a adoção de medidas emergenciais” e destacou que, com o surgimento da covid-19, as 16 UPAs da cidade foram estruturadas para que as emergências se transformassem em UTIs capazes de suportar a alta demanda de pacientes com coronavírus. A pasta disse ainda que ampliou de 507 para 1.453 o número de vagas de terapia intensiva na cidade e ninguém ficou sem atendimento.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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