CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – O governo do Paraná e o MPF (Ministério Público Federal) têm travado uma batalha judicial em torno de uma megaobra que está sendo feita na orla da praia de Matinhos (PR), por intervenções na restinga, uma vegetação que protege o litoral da erosão marinha e que é considerada Área de Preservação Permanente.
A ideia inicial, divulgada pelo IAT (Instituto Água e Terra), órgão do governo estadual responsável pela obra, era revitalizar a orla a partir da retirada da vegetação exótica que avançava na restinga original. Além disso, em áreas degradadas, onde praticamente não havia mais restinga, estava previsto o plantio de espécies nativas.
Ao longo da execução da obra, iniciada em junho do ano passado, além do plantio de espécies nativas, também foi utilizada uma espécie exótica na região, a Clusia fluminensis.
Segundo o MPF, essa espécie tem potencial para causar um desequilíbrio no ecossistema costeiro. Já o governo paranaense defende o plantio e nega riscos.
A espécie Clusia fluminensis é uma vegetação arbustiva nativa dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia e é comum a sua utilização para ornamentação. Ela apresenta alguma similaridade com a Clusia criuva, que é uma espécie nativa do Paraná.
“É lamentável verificar que o órgão ambiental do Paraná, que deveria zelar pelo meio ambiente, parece querer, na prática, transformar a orla de Matinhos em um jardim, sem mudança de projeto, sem explicações técnicas”, afirma o MPF à Justiça Federal, em petição assinada pela procuradora da República Monique Cheker.
O MPF chama atenção ainda para o fato de que durante a discussão do projeto da orla “foi falado e descrito a todo o momento a necessidade de utilização de espécies nativas, não exóticas”.
O IAT admite o uso da espécie exótica, mas diz que ela tem servido apenas para fazer uma “cerca viva”, de proteção ao replantio da vegetação nativa, e nega impacto negativo ao bioma local.
O órgão estadual alega ainda que, embora a Clusia fluminensis não seja endêmica do Paraná, ela também é originária de ambientes de praia e não possui características invasoras. Também justifica que se trata da única espécie disponível comercialmente para atender à magnitude da obra.
O assunto ainda está em debate na Justiça Federal, mas o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) já fez duas autuações contra o IAT, com multas que somam R$ 835,5 mil.
Uma delas -no valor de R$ 255 mil- foi aplicada em razão da utilização da Clusia fluminensis. A outra multa, no valor de R$ 580,5 mil, ocorreu por o Ibama entender que houve falta de prudência na retirada de espécies exóticas em área de restinga. O instituto se refere à utilização de maquinário pesado, em vez da remoção com esforço manual.
Os dois processos que geraram as multas seguem em fase de análise da defesa apresentada. Por isso, nenhuma das multas foi paga até o momento, de acordo com o Ibama.
O diretor-presidente do IAT, Evandro Souza, diz que as multas do Ibama estão “desconectadas da realidade” e que o MPF busca “atrapalhar uma obra que traz um benefício indiscutível para o litoral”.
“Estamos plantando cinco vezes mais restinga do que existia. Parece que isso não é levado em conta”, afirma à Folha de S.Paulo.
“É uma filigrana do ponto de vista da importância da obra. Nós, inclusive, nos propusemos a fazer a retirada desta suposta espécie exótica quando nós tivermos a nossa restinga nativa perfeitamente desenvolvida. Porque isso que eles [MPF e Ibama] chamam de exótica está servindo pura e simplesmente para fazer uma barreira física e visual para proteger a restinga nativa, uma cerca viva”, justifica.
Mais de 8.000 mudas da Clusia flumimensis foram plantadas próximas a arames sustentados por toras de madeira. Segundo o IAT, toda a delimitação foi feita para garantir o desenvolvimento da restinga nativa “dentro de um canteiro”.
“Este canteiro foi diversas vezes pisoteado pelas pessoas. E aí começamos a colocar arames e as pessoas começaram a tropeçar. Então foi colocada a cerca viva”, afirma Souza.
São cerca de 50 canteiros ao longo da orla, onde o IAT afirma ter plantado apenas espécies nativas, como Blutaparon portulacoides, Ipomoea pes-caprae, Hydrocoyle bonariensis e Ipomoea imperati.
Um laudo pericial da Polícia Federal aponta que os danos ambientais podem ser considerados “pouco significativos até o momento” e que as mudas de Clusia fluminensis “ainda apresentam tamanho relativamente pequeno”. A longo prazo, porém, a perícia entende que pode haver comprometimento da restinga nativa.
“Com o desenvolvimento da espécie exótica, os danos podem tornar-se significativos. Desse modo, recomenda-se que as mudas de espécie exótica sejam completamente retiradas e substituídas por mudas de espécies exclusivamente nativas do ambiente de restinga do Paraná”, diz o documento, que corrobora com a visão do MPF sobre o caso.
INVESTIMENTO
A obra na orla de Matinhos, que está sendo feita pelo Consórcio Sambaqui, formado por sete empresas, é tratada pela gestão Ratinho Junior (PSD) como a principal intervenção urbana da história do litoral, e prevê um investimento de R$ 314,9 milhões por parte do governo estadual, em uma primeira fase, incluindo a engorda da faixa de areia por meio de aterro hidráulico e a construção de canais de macrodrenagem e redes de microdrenagem.
As intervenções estão sendo feitas ao longo de 6,3 km entre o Morro do Boi e o Balneário Flórida. Em uma segunda etapa, ainda sem data, será recuperado o trecho de 1,7 km entre os balneários Flórida e Saint Etienne.
Balanço divulgado no início deste mês pelo IAT aponta que a revitalização da orla alcançou 88% de conclusão. A previsão é concluir toda a obra no segundo semestre de 2024.