Acionista da gigante de papel e celulose Klabin e ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva foi um dos primeiros empresários a aderir à carta de apoio à democracia, elaborada com o apoio de múltiplas instituições, após o presidente Jair Bolsonaro ter criticado o sistema eleitoral brasileiro em uma reunião com embaixadores. Sobre a reação do presidente após diversos empresários terem aderido ao texto, afirmou ao Estadão: “Pela primeira vez, não me incomodo em ser chamado de mau-caráter.”
Crítico não só de Bolsonaro, mas também de Lula, Lafer Piva está no grupo de empresários que ainda vê uma pequena chance de a candidatura de Simone Tebet (PMDB) decolar. “O Bolsonaro nos leva para o abismo. O Lula nos deixaria parados, talvez com pequenos avanços”, disse Lafer Piva.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
A carta de apoio à democracia foi importante para marcar que essa é uma questão inegociável?
A carta é um sinal da sociedade com relação ao que de fato importa. Democracia, liberdade e limites são inegociáveis. Ela é mais do que a defesa de uma ideia. É um documento de valores comuns, de modo de viver e de respeito mútuo. Fiquei muito impressionado com a capacidade que a carta teve de unir em meio a tanta polarização. Tem uma perspectiva de que essas eleições vão ser brutais, teremos muita promessa e soberba dos dois lados. Não vai ter fim da democracia nem ditadura, mas o Brasil vai sofrer nesse embate entre egos. O Brasil está muito rachado e sofrido. A carta vem para mostrar que, apesar de divididos, podemos nos unir naquelas coisas nas quais todos acreditamos, como a liberdade e a democracia. Fico incomodado com os empresários que não estão assinando essa carta. Daqui um tempo olharemos para isso, porque é algo absurdamente assustador. Me pergunto como essas pessoas e entidades não assinaram.
O presidente reagiu à carta na semana passada, chamando de mau-caráter quem dela é signatário. Como o sr. reage a isso?
Pela primeira vez, não me incomodo de ser chamado de mau-caráter. Desde o início, antes de ele ser eleito, eu dizia que o Bolsonaro era um atraso civilizatório. Temos demonstrações muito claras de uma atitude boquirrota, de enfrentamento. Me incomoda como cidadão, mas não posso levar a sério esse tipo de ataque que não está sendo feito só a quem assinou a carta, mas ao Brasil. Como pano de fundo, há certamente a questão das eleições, que ganharam uma importância que o leva a um certo desespero. Incomoda? Sim, mas não me ofende, nem atinge. Alguns empresários já passaram do espanto (com Bolsonaro) para um certo desprezo.
O sr. acredita na tese do voto útil nas eleições presidenciais?
Tenho sido patrulhado para fazer um voto útil. Se acredito na democracia, o voto útil me algema em relação ao que realmente desejo. Então, não entro nessa conversa. No primeiro turno, voto em quem acredito.
Qual sua visão sobre Lula?
Gosto do Lula, tenho bom relacionamento com ele, reconheço conquistas, não há quem saiba mais da alma do brasileiro. Mas isso não significa que ele seja o melhor (para o País) agora. Me agradaria muito mais a ideia de que o PT arrumasse a casa, até porque é um partido importante, e ficasse na oposição, e não no poder. (Em uma eventual eleição), ele fatalmente fará menos do que na primeira gestão, por questões que até não dependem dele. Ele não vai ser perdoado por quem o condenou. Ele precisa se abrir para o novo. O Lula está mais preso à militância do PT do que a ele mesmo. Lula é melhor do que seu entorno.
E quanto a Bolsonaro?
O Bolsonaro é o que é, basta olhar para ele. Acho inacreditável pessoas que eu conheço aprovarem esse incumbente. É um olhar egoísta, elitista, centrado em tudo que é menos republicano. É assustador. Meu espanto vem dessas pessoas (que apoiam Bolsonaro). O Bolsonaro tem nos isolado do mundo.
Vemos empresários aguerridos na possibilidade da terceira via nas eleições. O sr. ainda acredita nela?
Sim. Há várias dezenas de razões pelas quais eu luto pela Simone (Tebet). Mas eu centralizo na pacificação, já que acho que, (na eleição de) qualquer um dos dois candidatos, vamos manter polarização agressiva. A Simone tem capacidade convocatória de trazer o que há de melhor no País. Basta as pessoas se disporem a escutá-la para ver que ela tem motivos corretos. Se eu acredito na terceira via? Sim, mas é claro que é muito difícil. Mas lutar pelo menos ruim é continuar no mau. As pessoas falam que 60 dias é pouco tempo, mas pode ser muito na política.
Qual é a visão do sr. sobre os demais candidatos à Presidência?
O Ciro (Gomes) é uma pessoa articulada, mas ele é intempestivo, volátil. Tem um projeto bem apresentado, mas ele é voluntarioso, é frágil. Eu também aprecio a precisão do diagnóstico e a sofisticação do Luiz Felipe D’Ávila, mas ele é um cara fora do tempo dele.
Já está claro em quem o sr. votará no segundo turno?
Não quero nem pensar no segundo turno. Isso vai me distrair. O Lula e o Bolsonaro não podem ser colocados no mesmo saco. O Lula, embora seja mais humanista e tenha outra compreensão (dos problemas do Brasil), traz um programa datado para um Brasil mais complicado. O Bolsonaro nos leva para o abismo. O Lula nos deixaria parados, talvez com pequenos avanços, em um país que precisa de grandes avanços. E a Simone, ou outro candidato do centro, não vai conseguir virar o Brasil em quatro anos, mas poderia começar a apontar para uma rota para que, a partir de 2026, houvesse um novo vigor para recuperar a economia brasileira, que está numa situação dificílima.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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