Governo Doria será obrigado a incluir identidade de gênero e orientação sexual em BOs, diz Justiça

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma liminar obtida pela Defensoria Pública de São Paulo obriga o governo João Doria (PSDB) a incluir os campos identidade de gênero e orientação sexual nos boletins de ocorrência.

A decisão saiu no dia 21, com prazo de 60 dias para cumprimento. A medida tem, entre outros, o objetivo de possibilitar o mapeamento dos casos de violência contra a população LGBT, incluindo a população trans.

Nesta sexta (29), comemora-se o dia da Visibilidade Trans, data que, entre outros temas, discute-se a questão do alto índice de violência contra essa população.

Só nesta semana a vereadora Erika Hilton (PSOL), que é trans, registrou boletim de ocorrência por ameaça. Além dela, Carolina Iara, 28 anos, integrante de mandato coletivo do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo, teve a casa atingida por disparos.

“Atualmente no boletim de ocorrência só consta sexo. Então, por exemplo, quando uma mulher trans vai registrar um boletim de ocorrência, seja violência sexual ou doméstica, ela vai obrigatoriamente ter de se identificar com o sexo masculino. Já é um constrangimento, uma violação, mas, para além disso, tem também a questão de política criminal e tentar criar estatísticas mais reais da violência que a população trans, LGBT sofre”, diz a defensora pública Yasmin Pestana.

Para ela, “hoje o que a gente tem é uma invisibilização da violência que essas pessoas sofrem. Quando se tenta ter dados, colher informações sobre quantas mulheres trans sofrem violência sexual, violência doméstica, a gente não consegue”.

De acordo com Pestana, desde 2015 já existe uma resolução da Presidência da República que determina a inclusão dos campos. “Desde essa resolução, a defensoria vem solicitando que o estado faça essas alterações nos boletins de ocorrência, mas há muita resistência”, diz.

O estado incluiu nos boletins o nome social das vítimas. Mas, segundo a defensoria, o próprio governo admite que esse campo vem sendo utilizado de maneira errada pelos policiais, adicionando apelidos de pessoas cisgênero, o que impede que a informação seja usada para mensurar a violência contra a população transgênero.

Pela decisão, no momento do boletim, a vítima poderá dizer se é homossexual ou transgênero. Mas isso não será obrigatório, explica a defensora.

“Na liminar do juiz, ele não coloca a obrigatoriedade da pessoa declarar a orientação sexual. O que é obrigatório é que questionem se quer declarar identidade de gênero e sexual. O preenchimento é obrigatório nos sistemas, mas opcional aos entrevistados, respeitando a autodeclaração das pessoas.”

Enquanto orientação sexual trata da sexualidade (se é hétero ou homossexual, por exemplo), a identidade de gênero trata do gênero com o qual a pessoa se identifica (mulher ou homem trans, por exemplo).

O juiz responsável pela decisão, Enio Jose Hauff, da 15ª Vara da Fazenda Pública, ressaltou a violência sofrida pela população trans.

“Como bem apontado na inicial e na manifestação do representante do Ministério Público, o Brasil é o país no mundo em que mais se mata transexuais e travestis, com 179 registros, só no ano de 2017. A ONG Transgender Europe (TGEu) coloca o nosso país no primeiro lugar em registro de homicídios de pessoas transgêneras, com o triplo do México, segundo colocado, em números absolutos”, afirmou.

“A Defensoria Pública demonstrou claramente que a inserção dos campos ‘identidade de gênero’ e ‘orientação sexual’ nos sistemas RDO, Boletins de Ocorrência e Infocrim permitirá dimensionar corretamente o grau de violência que a população LGBTI sofre, especialmente no que se refere aos chamados crimes de ódio, o que contribuirá decisivamente no desenvolvimento de estratégias para melhor garantir a segurança e a vida digna e livre de discriminação e violência ao grupo”, afirma o juiz.

Em respostas à defensoria às quais a Folha teve acesso, a Polícia Civil aconselha a fazer a busca pelo campo “nome social” e pesquisas manuais. Além disso, afirma que “o valor a ser dispendido pelo estado e aplicabilidade das mudanças, por ora, encontram-se incompatíveis, verificando-se, no entanto, que o direitos das minorias tratadas neste expediente vêm sendo atendidas pela Polícia Civil”.

O estado afirmou no processo que o Conselho Estadual LGBT, vinculado à Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania auxilia o Poder Executivo no desenvolvimento de ações afirmativas e no combate a condutas homofobias ou transfóbicas.

Segundo a decisão judicial, o estado afirmou ainda que “a redução da violência física e moral contra essa parcela da população não ocorrerá com a simples inclusão de campos para preenchimento em um boletim de ocorrência”.

À Folha a Secretaria da Segurança Pública afirmou que trabalha para “para aprimorar o atendimento, garantir os direitos e a proteção da comunidade LGBTQIA+”. “Desde 2015, é possível incluir o nome social e a indicação de “homofobia/transfobia” no registro da ocorrência.”

Segundo a pasta, após o decreto estabelecer mudanças no atendimento das Delegacias da Mulher neste ano, “as vítimas são acolhidas por gênero feminino, não mais sexo biológico, estimulando as mulheres cis, trans e travestis vítimas de violência doméstica a também procurarem as DDM”.

O comunicado diz ainda que “permanentemente, avalia a viabilidade e aplicabilidade da inserção de novos campos no sistema RDO”.

VIOLÊNCIA

De acordo com dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), em 2020, a entidade contou 175 assassinatos de pessoas trans pelo Brasil.

Na quarta-feira (27), Carolina Iara, 28 anos, integrante de mandato coletivo do PSOL na Câmara Municipal de São Paulo, afirmou que sua casa, na região de Itaquera (zona leste da capital paulista), foi alvo de ao menos dois tiros, quando ela se preparava para dormir.

A covereadora, primeira pessoa intersexo eleita no país, integra a Bancada Feminista, composta por seis pessoas, eleita em novembro do ano passado, a partir dos 46.267 votos recebidos por Silvia Andrea Ferraro, de acordo com o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

No mesmo dia, a vereadora de São Paulo Erika Hilton (PSOL) abriu um boletim de ocorrência relatando uma visita feita ao seu gabinete por um homem que se identificou como “garçom reaça”.

Por causa do estado de agitação do homem, funcionários do gabinete não permitiram que tivesse contato com Hilton. Ele, então, deixou uma carta na qual dizia querer se desculpar por ter ofendido a vereadora nas redes sociais.

Nesta sexta (29), Hilton irá se reunir com membros da gestão Bruno Covas (PSDB) para tratar do programa Transcidadania (de inclusão de pessoas trans no mercado) e também de reforço de segurança às vereadoras e demais mulheres negras eleitas para a Câmara.

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