RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Duas semanas antes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciar que iria tirá-lo do comando da Petrobras, Roberto Castello Branco comemorava o primeiro avanço no plano de venda de refinarias da Petrobras, com a proposta de US$ 1,65 bilhão do fundo Mubadala por uma unidade na Bahia.
O interesse pelo ativo, mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus, foi visto como um sinal de confiança na autonomia da estatal, tanto para definir os preços dos combustíveis, quanto para por em prática a estratégia de sair de setores considerados estratégicos e focar no pré-sal.
Criticada por sindicatos e pela oposição, a venda de oito refinarias era peça chave no reposicionamento estratégico da empresa proposto pela gestão Castello Branco, que acelerou o processo de venda de ativos iniciado em 2015 e mirava melhorar o retorno aos acionistas.
A nomeação do general Joaquim Silva e Luna para substituir Castello Branco, anunciada nesta sexta (19), abalou a confiança do mercado sobre a continuidade do plano e traz uma série de incertezas a respeito da independência comercial conquistada pela Petrobras ainda no governo Michel Temer.
Os primeiros reflexos da incerteza foram vistos no desempenho das ações na sexta, mas o efeito pode se aprofundar após declarações de Bolsonaro sobre novas mudanças em seu governo já na próxima semana. Mesmo apoiadores proeminentes, como o economista Rodrigo Constantino e o influenciador Leandro Ruschel, criticaram a decisão de Bolsonaro.
“A decisão do presidente de intervir na Petrobras não trará benefícios políticos, ao contrário”, escreveu Ruschel em uma rede social. “Com esse tipo de atitude, o fluxo de investimentos será menor, o que diminuirá o ritmo da recuperação”.
Aliado de primeira hora do governo que abandonou o barco em 2020, o empresário Salim Mattar também se manifestou.
“Lastimável a decisão do governo de tirar Roberto Castello Branco do comando da Petrobras”, escreveu o ex-secretário de Desestatização e Privatizações do Ministério da Economia.
Levantamento feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos) para a Folha no fim de 2020 mostrava que, entre janeiro de 2019 e julho de 2020, a Petrobras abriu 48 processos de vendas de ativos, uma média de 2,5 por mês.
Número bem maior do que os 1,4 por mês abertos durante o governo Michel Temer e oito vezes os 0,4 por mês verificados na segunda gestão Dilma Rousseff.
Castello Branco defendia que a guinada era necessária para que a empresa pudesse, ao mesmo tempo, explorar as reservas gigantes do pré-sal e reduzir sua dívida, garantindo sobra de recursos para remunerar os investidores.
Sua visão de futuro contemplava uma Petrobras focada na atividade de exploração e produção e com ativos concentrados na região Sudeste -no refino, ficaria com apenas apenas 5 das 13 unidades que tem hoje para abastecimento dos maiores mercados consumidores- e boa pagadora de dividendos.
O executivo não cansava de repetir que a estatal remunera mal seus acionistas, incluindo a União, e aprovou no fim de 2019, a estatal aprovou política que amplia os valores distribuídos aos acionistas quando a dívida bruta estiver abaixo de US$ 60 bilhões -no terceiro trimestre de 2020, eram US$ 79,6 bilhões.
Nos dois primeiros anos em que Castello Branco esteve à frente da Petrobras, a produção de petróleo e gás da companhia cresceu 8%, para 2,84 milhões de barris de óleo equivalente por dia, resultado da entrada em operação de plataformas contratadas pelas gestões anteriores.
Em 2019, a estatal teve lucro recorde de R$ 40 bilhões, impulsionado pela venda de ativos como gasodutos e ações da BR Distribuidora. O resultado de 2020 será divulgado na próxima terça (23), mas virá com forte impacto da pandemia -até o terceiro trimestre, o prejuízo acumulado era de R$ 52,8 bilhões.
O endividamento, principal meta da gestão da empresa após a crise provocada pelo esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato, caiu de US$ 84,4 bilhões em dezembro de 2018 para os US$ 79,6 bilhões em setembro de 2020.
A estratégia de Castello Branco tinha apoio do mercado financeiro, que esperava que estatal se tornassse uma “máquina de dividendos”, nas palavras do banco BTG Pactual, e do conselho de administração da companhia, hoje formado majoritariamente por membros independentes do governo.
O discurso se assemelhava ao da mineradora Vale, por onde passaram Castello Branco e executivos levados por ele à diretoria da Petrobras, que teve em sua gestão a menor proporção de executivos de carreira na estatal da história recente.
Essa nova diretoria levou a um acirramento das relações com sindicatos de petroleiros, que são contrários à venda de ativos e acusam a gestão da empresa a se beneficiar financeiramente do processo, já que em 2019 foi aprovado um novo plano de remuneração que garantiria até 13 salários ao presidente da empresa em caso de cumprimento de determinadas metas.
Apesar da alegada independência, Castello Branco teve que ceder a pressões do governo. Logo no início de seu mandato, anunciou a promoção a gerente de um ex-candidato a deputado apoiado por Bolsonaro. Carlos Victor Guerra Nagem acabou vetado para o cargo por falta de qualificação, mas se tornou assessor especial da presidência da companhia, cargo com salário de cerca de R$ 55 mil na época.
Em abril de 2019, Castello Branco teve que recuar em um reajuste no preço do diesel após pressão do presidente da República, que também naquela época temia reações dos caminhoneiros. Em nenhum dos dois casos o executivo admitiu a interferência: no primeiro, disse que Nagem tinha o currículo adequado; no segundo, que a preocupação com os caminhoneiros era legítima.
A troca no comando da estatal ainda deverá ser aprovada pelo conselho de administração da companhia, que ameaça veladamente com renúncia coletiva. Embora Bolsonaro não tenha controle sobre os executivos que colocou no colegiado, ele pode ainda destituir o conselho em caso de resistência.
Parte da diretoria, principalmente os executivos levados à empresa por Castello Branco, também avaliam a possiblidade de renúncia.
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