Milton Tiago de Mello acaba de completar 107 anos com ótima saúde. Ao longo de toda a sua (longa) vida, o doutor em veterinária nunca teve nenhuma doença que requeresse internação hospitalar. Passou incólume por toda a pandemia de covid-19, embora várias pessoas em sua casa, incluindo sua mulher, ainda antes da vacina estar disponível, tenham tido a doença.
Tamanha resiliência chamou a atenção da geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), da Universidade de São Paulo (USP). Ela estuda os centenários em busca dos segredos genéticos para a sua longevidade e resistência à covid-19.
Publicação internacional
Em um novo estudo, publicado na Nature, a pesquisadora descobriu que três “superidosos” que apresentaram formas muito leves da doença ou assintomáticas, entre eles Mello, têm uma frequência duas vezes maior de algumas variantes do gene MUC22 – ligado à produção de muco, responsável pela lubrificação e proteção das vias respiratórias. Outros estudos já tinham relacionado a baixa presença dessas variantes a casos mais graves da doença.
Os resultados não impressionaram muito o pesquisado. “A doutora Mayana quer acreditar que a minha longevidade está relacionada à questão genética”, afirmou Mello, em entrevista por telefone. Ele destaca a convivência com a mulher, a médica psiquiatra Angela, de 90 anos, com quem está casado há 60, e com os demais parentes e amigos que o cercam.
Nas paredes da casa em que vive, no Distrito Federal, Mello coleciona os troféus adquiridos ao longo de mais de um século de vida. Entre os mais caros ao veterinário, o encontro com a rainha Elizabeth, do Reino Unido, 20 anos atrás, quando foi eleito membro honorário da Sociedade Zoológica de Londres, patrocinada pela monarca.
Em outra parede, há uma foto com João Paulo II, no Vaticano. “Não é pouca porcaria, não”, disse, às gargalhadas. “Mas quando você tiver a minha idade, vai ter acumulado tudo isso também.”
Peso genético
“Quanto mais idosa a pessoa fica, maior o peso da genética”, afirma Mayana Zatz. “Porque isso significa que ela já enfrentou todo tipo de intempérie ambiental e continua firme. Ou seja, tem uma genética forte. Mas é óbvio que vida social e as conexões são muito importantes.”
Embora os idosos em geral sejam os mais vulneráveis a casos graves de covid-19, alguns centenários que não tinham sido vacinados apresentaram casos muito leves da infecção ou assintomáticos, como Milton Thiago de Mello.
O grupo da geneticista Mayana Zatz, da USP, estudou os casos de três centenários, com mais de 105 anos, com essas características. O trabalho revelou que, a despeito da idade avançada, os três indivíduos apresentaram resposta imunológica robusta. Além disso, constatou ela, nenhum deles apresentava variantes genéticas conhecidas por enfraquecer o sistema imunológico.
Em outro estudo realizado pelo mesmo grupo de cientistas, foram investigados 87 indivíduos com mais de 90 anos que tiveram covid-19 assintomática ou com sintomas leves e 55 indivíduos com menos de 60 anos que tiveram uma forma grave da doença ou morreram. Todas as amostras foram coletadas no início de 2020, antes do início da vacinação.
Resultado
Os especialistas constataram que os idosos que tiveram a versão mais leve da doença apresentaram as mesmas variantes do MUC22 que o grupo de centenários. “Conseguimos células reprogramadas dos centenários, derivadas em laboratório para células pulmonares, cardíacas, musculares e neurônios”, contou Mayana.
“Vamos infectar essas linhagens com as duas variantes do vírus, a Delta e a Ômicron, para entender melhor como esses genes protetores atuam nos diferentes tecidos”, acrescentou ela.
Oxford
A resistência ao vírus da covid-19 na pandemia intriga os cientistas. Pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, investigaram como os genes podem influenciar na resposta imune do corpo e podem ter descoberto informações importantes para solucionar essa dúvida.
As descobertas, publicadas na revista científica Nature Medicine no dia 13 de outubro, apontam para um gene que ajuda a gerar reação imunológica mais forte após duas doses da vacina contra a covid-19. Elas tinham o HLA-DQB1*06, variação do gene HLA (do inglês Human Leukocyte Antigen), e tiveram resposta de anticorpos mais alta que as que não têm o gene.
Em outras partes do mundo, cientistas também estão tentando entender como a genética pode explicar que algumas pessoas estejam mais protegidas contra a covid-19 que as outras, o que pode significar que o mesmo seja verdade para outras doenças e ajudar no desenvolvimento de novas vacinas e medicamentos. Cientistas da Fapesp, em São Paulo, identificaram que a maior quantidade de um alelo do HLA-DOB pode estar relacionado a um agravamento da infecção. Esse gene tem maior ocorrência em pessoas africanas e sul-americanas e pode interferir na passagem de antígenos do vírus para a superfície celular, o que altera a capacidade do sistema imunológico de identificar esses antígenos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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