Força Nacional do SUS detectou oxigênio na reserva, leitos fechados por falta do insumo e previu colapso

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Força Nacional do SUS, convocada pelo ministro da Saúde para atuar em Manaus, detectou dia após dia a evolução da crise de escassez de oxigênio na cidade e registrou em relatórios oficiais o que constatava nos hospitais. Documentos dos dias 8, 9, 11, 12 e 13 registram com detalhes o tamanho do problema, inclusive com previsão exata de quando ocorreria o colapso.

Mesmo assim, o Ministério da Saúde providenciou o transporte a Manaus de quantidades bem inferiores de oxigênio, insuficientes para evitar o caos da rede de atendimento a pacientes com Covid-19 no último dia 14. Pessoas morreram asfixiadas nos hospitais.

Os relatórios da Força Nacional do SUS constatam o momento em que o oxigênio foi para a reserva nos hospitais; a prática de equipes médicas de não fazerem a medição da saturação de pacientes, para que não se detectasse a necessidade de suprimento de oxigênio, já escasso naquele momento; e o impedimento de abertura de novos leitos no hospital universitário federal por falta do insumo.

O ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, tem 15 dias para explicar à PGR (Procuradoria-Geral da República) por que houve omissão diante da constatação prévia do problema. Pazuello foi alertado, pelo menos desde o dia 8, em diferentes frentes: pelo governo do Amazonas; pela empresa fornecedora, a White Martins; e até mesmo por uma cunhada em Manaus.

Os relatórios da Força Nacional do SUS mostram que o ministro também estava municiado com informações detalhadas de um grupo de técnicos, convocados para atuar em caráter de urgência. Eles percorriam diariamente as unidades de saúde.

A Força Nacional existe desde 2011. O decreto que a instituiu diz que o próprio ministro a convoca, para situações de epidemia, por exemplo.

O primeiro relatório formulado pela equipe do SUS é do dia 7. No documento seguinte, do dia 8, já há uma anotação sobre a crise do oxigênio. “Foi mudado o foco da reunião, pois foi relatado um colapso dos hospitais e falta da rede de oxigênio”, cita o relatório.

O mesmo documento anota que “existe um problema na rede de gás do município que prejudica a pressurização de oxigênio nos hospitais estaduais”. E aponta uma “dificuldade crítica nos respiradores (oxigênio)” dos hospitais que atendem pacientes com Covid-19.

A Força Aérea Brasileira já fazia transporte de cilindros, mas em quantidades bem inferiores ao necessário. O material era proveniente de Belém.

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No dia 9, a Força Nacional do SUS visitou alas do Hospital 28 de Agosto e constatou a dificuldade de fornecedores garantirem o abastecimento de oxigênio. A equipe fez a seguinte anotação: “Estão preferindo não medir a saturação dos pacientes na sala rosa 1, pois, ao medir, vários pacientes precisarão de oxigênio e não terão como suprir a demanda.”

O relatório de dois dias depois cita uma reunião em Manaus cuja abertura foi feita pelo ministro da Saúde. “Reunião no CICC (Centro Integrado de Comando e Controle) com abertura do ministro Pazuello, orientando objetividade e resolubilidade da comissão.” O general ficou na cidade até o dia 13.

No relatório daquele dia 11, já há o registro de colapso da rede de saúde. E a informação de “exaustão nos hospitais, alas clínicas com superlotação e fornecimento do oxigênio em reserva em todos os hospitais da rede”.

A Força Nacional propôs a criação de usinas de oxigênio com urgência. O consumo do insumo já atingia 50 mil m3 naquele dia, segundo o relatório da equipe de profissionais.

A quantidade era o dobro da capacidade de produção da empresa fornecedora, a White Martins. Naquele momento, ela já havia avisado o Ministério da Saúde, três dias antes, dessa realidade.

“Necessidade de transporte de balas de oxigênio por via aérea, terrestre e fluvial”, foi uma das sugestões de encaminhamento feitas pela Força Nacional do SUS no dia 11. O pico de consumo chegaria ainda a 76 mil m3.

No dia 12, o governo passou a culpar a empresa fornecedora. O relatório da Força Nacional registra uma intenção da pasta nesse sentido, manifestada pelo secretário de atenção especializada em saúde do ministério, coronel Luiz Otavio Franco Duarte.

Após uma visita ao Hospital Universitário Getúlio Vargas, uma unidade de saúde federal, o secretário teria apontado a “necessidade urgente de autuar a White Martins pela negligência quanto ao abastecimento de oxigênio no estado do AM”.

A empresa sempre negou ter sido negligente e disse ter avisado com antecedência tanto o Ministério da Saúde quanto a Secretaria de Saúde do Amazonas.

No email que enviou aos dois órgãos, a White Martins chegou a sugerir o nome de uma segunda fornecedora, que poderia ajudar a suprir a demanda, sem que isso significasse uma quebra de contrato, conforme a empresa.

O governo ainda discutia, no dia 12, como seria possível fazer chegar mais oxigênio à capital do Amazonas. Uma balsa de Belém a Manaus, por exemplo, levaria seis dias.

No dia 13, véspera do colapso dos hospitais, quando pacientes morreram asfixiados, o relatório da Força Nacional do SUS registra a necessidade de 70 mil m3 de oxigênio por dia. “Ainda é necessário contabilizar os novos leitos para atualizar a necessidade diária.”

O documento cita que o Ministério da Saúde havia providenciado o transporte de 6 mil m3 por voo, e que seria necessário o deslocamento diário de balsas, e não somente em dias alternados. Dez usinas geradoras só seriam instaladas em quatro dias.

“Prioridade ZERO do Estado do Amazonas é a falta de oxigênio. Nível muito crítico”, apontam os técnicos no relatório, em relação ao hospital universitário federal na cidade. Eles previam a necessidade de uma nota técnica, a ser elaborada pela White Martins e pelo estado, para justificar o colapso e a “situação de calamidade”.

“O colapso vai acontecer na madrugada de hoje. Não existe O2 para repor durante a madrugada. Todas as médias de projeção foram quebradas hoje durante o dia”, registra o relatório da Força Nacional do SUS. E assim ocorreu, a partir da madrugada do dia 14.

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