Flamengo alega ‘discriminação’ e rejeita cotas a mulheres e negros em comissões

RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – A Comissão de Estatuto do Flamengo rejeitou uma proposta para que parte das vagas nas comissões do clube fosse voltada a mulheres e pessoas negras sob alegação que seria “discriminação”.

Foi apresentada uma emenda para que a comissão de marketing seja permanente no Conselho Deliberativo e de Administração. Antes, ela era somente provisória.

A conselheira Marion Konczyk Kaplan propôs um adendo à emenda, criando cotas de 10% a negros e mulheres em todas as comissões. A ideia foi apresentada à Comissão de Estatuto.

A comissão rejeitou a proposta sob argumento de que ela contraria o artigo 3º do estatuto. O trecho fala em ser “vedada a discriminação por motivo de origem, raça, sexo, cor, idade, crença religiosa, convicção filosófica ou política e condição social”.

O parecer com a resposta foi lido em reunião, que ocorreu na última segunda-feira, a pedido de Antonio Alcides, presidente do Deliberativo. A reportagem conversou com diversos conselheiros, que confirmaram o teor do discurso durante o encontro.

A autora da proposta pediu a palavra e foi rebatida por um membro da comissão. Ela identificou a postura como “do século passado” e foi aplaudida por parte do Conselho.

A justifica teve reflexos negativos internamente. Muitos conselheiros interpretaram que a alegação não fazia sentido no contexto apresentado. Isso, inclusive, foi rebatido no plenário.

A Comissão de Estatuto, nesta terça-feira (18), é formanda apenas por homens. O Conselho Deliberativo do Fla também é de maioria masculina, com mais de 90% de representação.

A reportagem procurou o Flamengo, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria. Caso haja um posicionamento, o material será atualizado.

VEJA A NOTA DA BANCADA FEMININA PROTOCOLADA NA SECRETARIA DOS CONSELHEIROS:

“No dia 25 de março de 2024, foi protocolada, na Secretaria dos Conselhos, uma emenda ao Estatuto do Flamengo para que haja 10% de cota para mulheres e/ou pretos na totalidade das Comissões do Conselho Deliberativo.

Essa emenda foi pensada, elaborada e debatida pela Bancada Feminina, cuja rejeição não causou nenhuma surpresa.

Todavia, a justificativa utilizada no parecer da Comissão de Estatuto nos causou estranheza e revolta, já que teve como base o artigo 3º do Estatuto que diz: “é vedada qualquer discriminação por motivo raça, sexo, cor, idade, crença religiosa, convicção filosófico ou política e condição social”.

Em outras palavras, ao propormos cotas, estaríamos discriminando quem não é mulher e quem não é preto, ou seja, estaríamos discriminando homens brancos, uma narrativa totalmente inaceitável e descabida. As cotas visam nivelar o campo de jogo, oferecendo às mulheres as mesmas oportunidades que os homens, para que todos tenham a mesma chance. Seria uma medida temporária e necessária para corrigir desequilíbrios e alcançar a igualdade de gênero, não uma forma de discriminação.

O poder judiciário tem cotas, os partidos políticos têm cotas, as universidades têm cotas e, nem por isso, violam o art 5º da Constituição Federal que estipula que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Não é coincidência que a violência contra a mulher seja tão discutida nos dias desta terça-feira (18). Atualmente, os direitos das mulheres têm sido uma pauta mundial cada vez mais relevante. A inclusão de mulheres em diferentes áreas é um dever que o Brasil assumiu perante Organizações Internacionais, como a OEA.

Mulheres e negros têm sido objeto de numerosas iniciativas por parte de governos e instituições, como é o caso da Lei das Eleições, que obriga que os partidos políticos tenham um mínimo de 30% de candidaturas femininas viáveis e com pretensão de disputa nas eleições e durante toda a fase do processo eleitoral, conforme o seu art 10º parágrafo 3º, e da Lei de Cotas Raciais que reserva 20% das vagas em concursos públicos aos negros e cuja extensão de prazo e ampliação de vagas encontra-se em discussão no Congresso Nacional.

É compreensível que os conselheiros e os integrantes da Comissão de Estatuto prefiram outras formas de atuação em prol da inclusão e da diversidade, mas é inadmissível que seja alegado que as cotas sejam discriminatórias, enquanto elas apenas pretendem reequilibrar uma conjuntura desigual.

Ao promover a equidade de gênero, estamos enviando uma mensagem clara de que o Flamengo, o maior clube do Brasil, é um clube que valoriza e respeita a contribuição de todos, independentemente de gênero. Isso pode atrair mais as sócias, incentivar a participação feminina em outras áreas e fortalecer nossa comunidade como um todo. Sabemos que existem muitas mulheres competentes, talentosas e apaixonadas pelo Flamengo, prontas para compartilhar suas ideias e trabalhar em prol do nosso clube.

Portanto, estamos manifestando nosso repúdio ao parecer da Comissão de Estatuto e pedimos aos seus integrantes que reflitam sobre o rumo que estamos tomando. Precisamos garantir que justiça, igualdade e democracia sejam mais do que palavras vazias. Estas devem ser os pilares das nossas ações diárias.

Gostaríamos que a Comissão de Estatuto reavaliasse as decisões recentes e tomasse decisões acertadas para garantir que sejam asseguradas as mesmas oportunidades a todos os membros, independentemente de gênero, sendo o sistema de cotas uma solução de curto a médio prazo.”

Ivana Poato
Juliane Musacchio
Maria Luiza Costa Martins
Marion Konczyk Kaplan