Fim da máscara faz crescer o consumo de maquiagem

DANIELE MADUREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na pandemia, Maria Aparecida Pereira Toscana, de 58 anos, quase fechou as portas da lojinha de cosméticos que mantém em uma galeria na Água Branca, zona oeste de São Paulo. Sobreviveu vendendo porta a porta itens de higiene pessoal, como desodorantes, xampus e sabonetes. Mas em fevereiro voltou a comprar maquiagem das marcas Natura, Avon, Eudora e Mary Kay para revender às clientes.

Com o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras e o retorno ao presencial, mais gente voltou a comprar itens como base, lápis, sombra e batom, um mercado que movimentou cerca de R$ 7 bilhões no Brasil no ano passado, segundo a consultoria Euromonitor. A venda de perfumes, por sua vez, passou incólume durante a pandemia: avançou de R$ 26,3 bilhões para R$ 29,8 bilhões entre 2019 e 2021.

“Eu tinha liquidado o meu estoque de maquiagem e só voltei a comprar em fevereiro, com o pessoal voltando às ruas e ao trabalho presencial”, diz a dona da Marry Cosméticos, que tem como principal clientela funcionárias de uma laje corporativa nas proximidades da loja, que só vão ao escritório parte da semana.

Levantamento do marketplace Consulta Remédios, que vende online produtos de 4,3 mil farmácias de todas as regiões do país, feito com exclusividade para a Folha de S.Paulo, apontou um aumento de 65% na busca por produtos de maquiagem no primeiro trimestre deste ano, em relação ao último trimestre de 2021. No mesmo intervalo, as vendas da categoria no marketplace cresceram 51%, com destaque para os batons: alta de 46% no período.

“Percebemos que, entre o final do ano passado e o começo deste ano, com a diminuição progressiva do uso de máscaras, houve uma demanda bem maior por maquiagem”, diz Ruan Barbosa, diretor de marketing da Consulta Remédios, que reúne redes como Carrefour Drogarias e Panvel.

A título de comparação, Barbosa afirma que a venda de máscaras caiu ao longo dos primeiros três meses do ano: recuo de 67% em março na comparação com janeiro.

O Mercado Livre, líder do comércio eletrônico no país, confirma o movimento: neste mês, entre os dias 1º e 18, a venda de máscaras despencou 70% em relação ao mesmo período de 2021. A venda de maquiagem, por sua vez, cresceu 10% no intervalo, enquanto a de perfumes saltou 25%.

Maior fabricante nacional de máscaras durante a pandemia, a Lupo já encerrou a produção da linha no mês passado, conforme revelou a Folha de S.Paulo. No primeiro trimestre do ano, a companhia viu as vendas caírem 29% em relação aos primeiros três meses de 2021, para 10,9 milhões de unidades. Em todo o ano passado, a empresa vendeu 65,6 milhões de máscaras.

Na sua lojinha na zona oeste de São Paulo, Maria Aparecida também começou a vender máscaras descartáveis na pandemia. “Houve época em que vendi 10 unidades por dia, mas hoje saem no máximo cinco por semana”, diz a revendedora, que também viu o incremento na venda de perfumes.

No entanto, o comportamento da consumidora mudou, diz. “Elas estão mais receosas em gastar. A maioria compra à vista, mas só o que precisa, não em quantidade, como antes.”

Depois do baque de 2020, o mercado mundial de maquiagem vem apresentando um crescimento ascendente em todas as categorias, informa a Euromonitor -o consumo de perfumes até superou o período pré-pandemia. Mas, no Brasil, a recuperação ainda se mostra lenta, por conta do cenário macroeconômico. Com exceção para os perfumes, cuja venda não caiu nem com o isolamento social.

“Os consumidores de maquiagem vêm selecionando itens mais básicos e baratos desde 2018, e até optando por ofertas do mercado informal”, diz Guilherme Machado, gerente de pesquisas da Euromonitor.

Durante a pandemia, a retração da categoria se intensificou, com o isolamento social e o uso da proteção no rosto. “No ano passado, mesmo com a flexibilização do uso de máscaras, a categoria continuou tendo dificuldades em um pilar importante, a venda por impulso”, diz.

Segundo Machado, o forte aumento da inflação trouxe novos desafios. “A desvalorização cambial e as incertezas no cenário internacional impactam diretamente os custos dos insumos e oneram a importação”, afirma. “Uma retomada gradual é esperada para os próximos anos, mas com perspectivas de crescimento modesto até que o consumidor na base da pirâmide social retome a confiança.”

Batom ainda não voltou com a mesma força O grupo Boticário, dono de marcas como O Boticário, Quem Disse, Berenice? e Eudora, informou, em nota, ter “expectativas bastante otimistas” para a categoria de maquiagem este ano, considerando a retomada das atividades presenciais e os eventos. “Além disso, existe um movimento natural de comportamento e olhar para a autoestima, em que a maquiagem tem um papel muito importante”, informou.

Segundo a fabricante, a aposta é que o batom volte a assumir a liderança entre os itens mais buscados, junto com as máscaras de cílios. Nos próximos meses, a empresa deve trazer novidades na linha Make B. Hyaluronic, com a proposta de unir maquiagem ao tratamento da pele.

A multinacional L’Oréal, dona da marca Maybelline, informou em relatório de vendas do primeiro trimestre que observou um “forte crescimento” no Brasil, na comparação anual. O mercado brasileiro de beleza é um dos quatro maiores do mundo, segundo a empresa. Entre janeiro e março deste ano frente ao mesmo período de 2021, as vendas da companhia na América Latina avançaram 33,9%, com destaque também para o Chile e o México -índice superior ao das demais regiões em que a empresa atua.

No site Época Cosméticos, do Magazine Luiza, as vendas de maquiagem cresceram 30% no primeiro trimestre, na comparação anual. “Nosso desempenho foi muito melhor do que o do mercado de beleza como um todo, que avançou 10% no período”, diz Christiane Bistaco, diretora da vertical de beleza do Magalu.

Segundo ela, em maquiagem, o que mais tem puxado a demanda são os produtos para a face, como bases, corretivos e pós. “É um movimento ligado ao fato de a mulher estar tirando a máscara, o que torna a sua pele mais exposta. Ela precisa esconder inclusive algumas imperfeições associadas ao uso da proteção, o ‘maskne’, a acne que resulta do atrito da máscara com a pele”, diz ela.

Tanto Época quanto a revendedora Maria Aparecida, da Marry Cosméticos, dizem que a venda de batons ainda patina. Uma hipótese seria o “tira e põe” de máscaras, ainda necessária em algumas ocasiões, ou então o fato de a consumidora já não “colecionar cores”, como antes.

Procurado, o grupo Natura (dono das marcas Natura, Avon, The Body Shop e Aesop) não atendeu o pedido de entrevista, até a publicação desta reportagem. O grupo, um dos maiores fabricantes mundiais de maquiagem, deve divulgar seus resultados do primeiro trimestre no dia 5 de maio.

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