SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A polícia federal dos Estados Unidos, o FBI, prendeu nesta quinta-feira (13) um militar suspeito de vazar mais de cem documentos sigilosos do Pentágono. O acusado foi identificado como Jack Teixeira, 21, membro da área de inteligência da Guarda Aérea de Massachusetts.
O perfil de Teixeira já havia sido destrinchado pelo jornal The Washington Post a partir de informações obtidas em uma entrevista com um membro do fórum na plataforma Discord no qual os arquivos foram vazados originalmente e corroboradas por outro usuário. Reproduções dos papéis circularam por semanas na internet até chamarem a atenção da imprensa, no último dia 7.
Ambas as fontes falaram com o jornal americano sob condição de anonimato -uma delas é inclusive menor de idade. Eles também contaram que sabiam o nome real e a localização do delator, mas que tinham se recusado a compartilhar essas informações com o FBI.
Segundo informações do Washington Post, o delator, que se identificava no fórum como OG, começou a publicar os documentos no ano passado, a princípio transcrevendo-os integralmente. Foi só depois que, notando o desinteresse dos demais membros -unidos “pelo interesse mútuo em armas, equipamentos militares e Deus”, na descrição do jornal americano-, ele começou a postar fotografias dos papéis.
OG teria dito no fórum que trabalhava em uma instalação de segurança na qual é proibido entrar com celulares e outros aparelhos eletrônicos. Segundo o Washington Post, os arquivos sigilosos que ele compartilhou pareciam ter sido impressos em papel comum e exibiam marcas de dobras.
As autoridades dos EUA reconheceram a autenticidade de parte dos documentos, embora tenham alertado que uma parcela deles aparenta ter sido adulterada. De acordo com analistas ouvidos pelo Washington Post e outros veículos, milhares de funcionários públicos e militares em cargos de baixo escalão poderiam ter acesso a papéis como os compartilhados por OG.
A Guarda Aérea de Massachusetts é um braço estadual da Força Aérea americana. Os militares respondem a desastres naturais e outras emergências civis quando acionados pelo governador. Também podem apoiar missões federais se solicitados pelo presidente.
O secretário de Justiça americano, Merrick Garland, informou que Teixeira foi preso sob suspeita de retirada, retenção e transmissão não autorizada de informações sigilosas da defesa nacional. Ele supervisionava um grupo de 20 a 30 pessoas, a maioria jovens com interesse por armas e games.
Nesta quinta, o presidente americano, Joe Biden, disse não estar alarmado com o vazamento, mas “preocupado com o fato de que ele aconteceu”. “Porém, até onde sei não há nada atual [nos arquivos]”, disse o democrata a repórteres na Irlanda, onde está em uma viagem oficial de três dias. Além do FBI, o Pentágono também lidera uma investigação interna sobre o episódio.
Mesmo assim, o conteúdo dos papéis, que vem sendo revelado aos poucos por diversos veículos de imprensa, tem causado certa saia-justa entre a Casa Branca e alguns governos aliados, porque, além de informações confidenciais sobre a Guerra da Ucrânia, vários dos documentos vazados trazem evidências de que os EUA continuam a espionar nações parceiras.
Uma delas é a Coreia do Sul. Os documentos revelaram que autoridades do país asiático manifestaram preocupação com a possibilidade de que armamentos vendidos aos EUA fossem desviados à Ucrânia. Seul resiste em fornecer armas a Kiev, mas concordou em vender projéteis de artilharia para Washington reabastecer seus estoques com a condição de que o usuário final fosse o Exército americano.
Questionado se planejava apresentar um protesto ou exigir uma explicação da Casa Branca, o gabinete do presidente Yoon Suk-yeol informou que revisaria precedente. A saia-justa fez o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, ligar para o sul-coreano numa tentativa de acalmar a situação, ao menos oficialmente.
Outro país mencionado é o Egito. Os arquivos evidenciaram planos de Cairo para vender armas à Rússia em segredo. Diálogos atribuídos ao líder da nação africana, Abdel Fattah al-Sisi, indicam que ele ordenou a discrição “para evitar problemas com o Ocidente”. Questionado sobre a veracidade da conversa, o Ministério de Relações Exteriores egípcio não negou nem confirmou as revelações.
Nesta quinta, o governo americano se deparou com uma nova rusga, desta vez com as Nações Unidas. A emissora britânica BBC divulgou o conteúdo de um documento que indicaria que o Pentágono não só monitorava de perto o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, como avaliava que ele tinha cedido demais às vontades da Rússia nas negociações acerca da exportação de grãos pelo Mar Negro.
“[Guterres está] minando esforços mais amplos para responsabilizar Moscou por suas ações na Ucrânia”, diz o texto reproduzido pela emissora. A ONU não se pronunciou oficialmente sobre o vazamento.
Para o membro do grupo entrevistado pelo Washington Post, OG não é pró-Rússia ou pró-Ucrânia. Também não é hostil ao governo dos EUA, embora tenha uma visão negativa das forças de segurança e das agências de inteligência nacionais, que para ele esconderiam informações dos cidadãos comuns.
A fonte ainda afirmou não acreditar que o delator estava agindo em prol do interesse público ao postar os documentos no fórum. Segundo ele, as publicações tinham como objetivo informar aquele grupo de pessoas do servidor Thug Shaker Central -o nome faz alusão a um termo racista, o que, segundo os entrevistados, indicava que o fórum era um espaço livre para comentários ofensivos e preconceituosos.
Ainda de acordo com a fonte, o fórum reunia não só membros dos EUA como também da Europa, da Ásia e da América do Sul. Entre os cerca de 25 usuários que tinham acesso ao canal, metade era estrangeira, e os que mais demonstraram interesse nos materiais sigilosos eram de países do Leste Europeu.
Muito do que foi vazado é relacionado à Guerra da Ucrânia. O material descreve a escassez crítica de munições de defesa antiaérea no Exército ucraniano e discute os ganhos obtidos pelas tropas russas na cidade de Bakhmut. Ao mesmo tempo, os papéis parecem ter sido modificados para exagerar estimativas de ucranianos mortos e subestimar as estimativas de mortes entre os russos, segundo analistas.
Um dos documentos compartilhados aponta que as forças russas sofreram de 16 mil a 17,5 mil baixas desde a invasão em 24 de fevereiro do ano passado. Publicamente, porém, o governo dos EUA tem divulgado estimativas muito maiores, que chegam a 200 mil russos mortos e feridos no conflito.
O Washington Post afirma que os documentos começaram a ser postados fora do Thug Shaker Central em 28 de fevereiro, sem o conhecimento dos membros do grupo. Na ocasião, várias das fotografias surgiram em outro servidor do Discord, ligado ao YouTuber wow_mao.
Em 4 de março, dez imagens dos papéis também apareceram em outro servidor do Discord, dedicado ao videogame Minecraft -no mesmo mês, OG parou de compartilhar imagens no Thug Shaker Central. Por fim, em 5 de abril, uma série de documentos acerca da Guerra da Ucrânia foi postada em canais russos no Telegram e no 4Chan. No dia seguinte, o New York Times publicou sua primeira reportagem sobre o caso.
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