Fatores genéticos ajudam a explicar por que alguns têm Covid grave e outros não

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo multicêntrico publicado nesta quinta (8) na revista Nature chega mais perto de responder a uma questão intrigante desde o início da pandemia: por que há pessoas que após a infecção por Sars-CoV-2 desenvolvem formas graves, muitas vezes fatais, enquanto outras apresentam apenas sintomas leves ou nenhum?

A partir de uma rede global que investiga o papel da genética humana na infecção pelo coronavírus e na gravidade da Covid-19, da qual o InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da USP faz parte, os pesquisadores descobriram a existência de 13 locais no genoma (marcadores genéticos) associados à infecção ou a gravidade da doença.

Dois desses 13 locais no genoma estão próximos a genes ligados ao câncer de pulmão ou a doenças imunológicas que afetam os pulmões.

“A gente sabe que o pulmão é um órgão alvo da Covid. Agora precisamos saber como isso tudo funciona, onde esses genes são expressos, como eles funcionam”, diz José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do InCor e um dos autores do estudo.

No trabalho, são descritos os resultados de três meta-análises com 46 estudos envolvendo 49.562 pacientes que tiveram Covid-19 em 19 países.

Krieger afirma que o entendimento sobre como essa diversidade genética influencia a infecção permitirá desenvolver novos medicamentos ou reposicionar drogas existentes para aumentar a eficiência do tratamento aos pacientes.

“Para controlar a pandemia, vamos precisar de vacina e, eventualmente, de medicamentos antivirais. Mas um outro caminho é aproveitar essa variabilidade interindividual da infecção ou da manifestação da doença.”

Um outro achado da pesquisa foi a identificação de outros dois locais no genoma humano que têm mais incidência entre pessoas de ascendência do leste e do sul asiático do que naqueles de ascendência europeia.

“Isso só apareceu porque o trabalho tem gente do mundo todo. Na população europeia, uma dessas variantes correspondia a apenas 3% e dificilmente seria pescada, enquanto no Oriente Médio chegava a 20%, 30%.”

Há outros estudos investigando os marcadores genéticos associados à Covid, mas nenhum com essa quantidade e variabilidade de amostras.

Segundo Krieger, a participação do Brasil tem uma importância especial devido à heterogeneidade da população. “Nós temos a mistura do ameríndio, do negro da África e do branco europeu. Nenhum país tem a característica que nós temos. Mesmo que a gente não tivesse recursos para fazer a genotipagem, eles queriam [e bancariam], mas nós fizemos.”

O InCor participou do consórcio internacional com 800 amostras de pacientes. Antes de se unir ao grupo, o instituto já desenvolvia a sua própria pesquisa com amostras de DNA de 5.000 pessoas também para responder por que uns desenvolvem a forma grave da doença e outros não.

Além do suporte das agências brasileiras de fomento à pesquisa, como Fapesp e CNPq, os recursos para esse estudo vieram principalmente de editais abertos pela iniciativa privada. A JBS investiu perto de R$ 1,5 milhão, e outros R$ 250 mil vieram de outras empresas.

Krieger se diz ansioso para saber dos resultados das 5.000 amostras brasileiras. “Dada a particularidade da nossa população, queremos saber se vão aparecer as mesmas coisas com intensidade diferente ou se eventualmente vão aparecer coisas novas.”

Para ele, a identificação de novos fatores genéticos associados à Covid-19, com essa velocidade sem precedentes, só foi possível devido à união de pesquisadores em genética humana que compartilham dados, resultados, recursos e estruturas analíticas.

Em outra linha de estudo, pesquisadores do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano da USP, dirigido pela geneticista Mayana Zatz, também tentam desvendar a superimunidade à Covid-19 e qual o papel chave dos genes na proteção ao vírus.

Na pesquisa foram estudados genes de mais de 80 casais para entender por que dos parceiros têm Covid e outros não. Uma das hipóteses é que as pessoas resistentes podem estar associadas a uma ativação mais eficiente de células de defesa, chamada de NK (do inglês “natural killers”, ou assassinos naturais).

Nas pessoas resistentes, os NK são ativados mais rapidamente dos que nos infectados. Observou-se ainda que as mulheres são duas vezes mais resistentes.

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