Falta de embaixador dos EUA no Brasil mostra problema de Biden no Congresso, diz diplomata

(FOLHAPRESS) – A ausência de um embaixador de fato dos Estados Unidos no Brasil não mostra desinteresse por parte de Washington, mas a dificuldade de articulação no Congresso do presidente Joe Biden, na visão de Anthony Harrington, que ocupou esse mesmo posto entre 1999 e 2001.

O cargo está vago desde julho do ano passado.

A indicada por Biden, Elizabeth Bagley, foi barrada no Senado e quem ocupa a função de maneira interina é Douglas Koneff, encarregado de negócios.

Presidente do conselho de administração da consultoria Albright Stonebridge, Harrington pede para não comentar candidatos específicos nas eleições brasileiras -o primeiro turno será realizado no domingo (2)-, mas diz que o presidente Jair Bolsonaro (PL) é “muito pró-EUA”.

O que não significa que uma eventual eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vá mudar o cenário entre os países. O petista, segundo sua avaliação, “é um internacionalista e seria mais ativo na política externa”.
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PERGUNTA – Que avaliação o senhor faz das eleições no Brasil?

ANTHONY HARRINGTON – É preocupante. Há a polarização, também presente nos EUA e nos países vizinhos da América Latina. Mas, até agora, o desempenho de instituições brasileiras, especialmente o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, têm respondido aos desafios, e o Congresso está em linha com a democracia. De fora, parece que as instituições estão funcionando da maneira como se imaginaria em um país do porte do Brasil. Ao mesmo tempo, o setor privado e organizações da sociedade civil tomaram a iniciativa de se posicionar em defesa de democracia. Tudo isso é muito encorajador. As pesquisas mostram que a maioria dos brasileiros confia no sistema eleitoral.

P – Temos visto uma movimentação por setores da esquerda no Congresso americano, e o governo Biden também fez manifestações públicas demonstrando confiança no processo eleitoral. Esse tipo de manifestação é efetivo? O governo dos EUA age bem?

AH – Sim. O governo tem sua política externa. O secretário Lloyd Austin [Defesa] foi ao Brasil e falou em defesa do processo democrático. A subsecretária Victoria Nuland [chefe de assuntos políticos no Departamento de Estado] também esteve em Brasília e demonstrou confiança no sistema brasileiro. O que eu acho que não precisamos é de ameaças sobre o que pode acontecer [em caso de golpe]. Precisamos de diplomacia.

P – Acredita que uma eventual eleição de Lula vai mudar as relações entre os países?

AH – O ex-presidente Lula é um internacionalista. Pela experiência que vimos durante seu governo, ele viajou o mundo, estabeleceu relações bilaterais muito boas, especialmente sul-sul. Acredito que seria mais ativo na política externa do que o atual governo. Acho que isso vai abrir muito espaço. Ele tem uma equipe que conhece os EUA muito bem; haverá um foco maior no cenário internacional, mas também haverá espaço para os EUA.

P – Como o sr. compara as relações Brasil-EUA hoje e no período em que foi embaixador?

AH – É quase injusto comparar. A relação era extraordinariamente positiva. Fernando Henrique Cardoso e sua família eram amigos próximos da família presidencial [dos Estados Unidos, com Bill Clinton no governo]. Isso facilitava a relação.

Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro sempre foi, desde o começo, muito pró-EUA e interessado em ampliar essa relação. Mas os dois governos hoje estão mais preocupados com as próprias necessidades. Quando eu estava no Brasil, não havia pandemia, não havíamos percebido ainda a ameaça existencial da crise do clima, não tínhamos a polarização e líderes autocratas que temos agora.

P – Ao mesmo tempo o cargo de embaixador no Brasil está vago até hoje. Isso não mostra que o país é menos importante hoje?

AH – Temos essa mesma situação em uma série de países. É sinal de problemas em movimentar a agenda no Congresso. Eu conheço bem Elizabeth Bagley. Foi embaixadora em Portugal, tem a vantagem de falar português e longa e respeitada experiência. Não receber a confirmação é mais fator de dinâmica no Congresso do que dela própria. Ela tem capacidade, e se por algum motivo não acontecer [sua nomeação] espero que o governo indique outra pessoa em breve. Temos um ótimo encarregado de negócios, de qualquer forma.
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RAIO-X | ANTHONY HARRINGTON

Embaixador dos EUA no Brasil entre 1999 e 2001, é chefe do Conselho de Administração da Albright Stonebridge Group, consultoria para corporações com investimentos no exteriorMas Brasil e EUA são as duas maiores democracias do hemisfério, cooperam em múltiplas frentes -militar, na área da saúde. Eu estive envolvido em projetos de investimentos americanos em hospitais brasileiros, na área farmacêutica, parcerias público-privadas. Há o acordo para explorar o posicionamento único no Brasil no lançamento de satélites [no Maranhão]. Estou otimista que consigamos manter ou até fortalecer um relacionamento positivo em meio a esses desafios globais da atualidade.

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