VICTOR LACOMBE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O partido AfD (Alternativa para a Alemanha) lidera as pesquisas eleitorais em dois estados do país que vão às urnas neste domingo (1º). Esta é maior chance da extrema direita de voltar ao poder na Alemanha quase 80 anos após o fim do regime nazista.
A sigla deve ser a mais votada tanto na Saxônia quanto na Turíngia, que escolhem os membros de seus Parlamentos. Ambos faziam parte da Alemanha Oriental, oficialmente República Democrática Alemã, país comunista que existiu de 1949 a 1990.
A AfD é monitorada nacionalmente pelo serviço de inteligência interno da Alemanha por conta de seu caráter radical, e seus diretórios nesses dois estados são oficialmente considerados extremistas -ou seja, as autoridades alemãs consideram que seus objetivos políticos são incompatíveis com a democracia, o que pode abrir a porta para o banimento do partido.
Membros da legenda disseminam abertamente o discurso racista de que europeus brancos estão sendo substituídos por imigrantes e dizem que muçulmanos não têm lugar na sociedade alemã. Segundo os serviços de inteligência, mantêm contato com grupos neonazistas, principalmente por meio da juventude do partido, a JA (Jovem Alternativa).
Em janeiro, a imprensa local revelou que integrantes da cúpula da AfD se reuniram com neonazistas para discutir um plano de deportar milhões de pessoas da Alemanha para a África -tanto estrangeiros quanto cidadãos alemães descendentes de imigrantes. A revelação desencadeou semanas de protestos.
Nada disso, porém, vem afetando a popularidade do partido na Alemanha, especialmente no leste do país. O pleito na Saxônia e na Turíngia deve tornar o partido o mais votado em uma eleição pela primeira vez desde sua fundação, em 2013.
Entretanto, as pesquisas apontam que o partido não deve conseguir mais de 50% dos votos em nenhum dos estados. Isso implicaria depender de coalizões com outras forças políticas para chegar ao poder.
Desde que a AfD se tornou politicamente relevante, as outras agremiações da Alemanha se recusam a fazer alianças com o partido -um acordo tácito de formar uma espécie de cordão sanitário e impedir a sigla de efetivamente governar.
“Aqui na Turíngia, desde 2000, pesquisas sempre mostram que cerca de 20% da população compactua com visões chauvinistas, extremistas de direita, nacionalistas”, diz André Brodocz, cientista político da Universidade de Erfurt, capital do estado. “Mas essas pessoas nem sempre iam às urnas. A AfD conseguiu incentivá-las, pois agora se sentem representadas.”
Levantamentos nacionais apontam que 22% dos eleitores do principal partido de centro-direita alemão, a CDU (União Democrata-Cristã), da ex-primeira-ministra Angela Merkel, não concordam com o cordão sanitário contra a AfD e apoiariam uma coalizão com os extremistas -algo rejeitado fortemente pela liderança da CDU em Berlim.
Na Turíngia, o candidato da AfD a governador é Björn Höcke, deputado estadual e um dos nomes mais conhecidos da sigla nacionalmente, em parte pelo fato de ter sido condenado duas vezes por usar o lema paramilitar nazista “Tudo pela Alemanha” em discursos. Höcke foi obrigado a pagar multa nas duas ocasiões.
Se as projeções se confirmarem, o cenário na Turíngia dependerá de um novo partido no cenário político alemão -a BSW (Aliança Sahra Wagenknecht), de centro-esquerda com discurso populista, fundada em janeiro deste ano.
Da mesma forma que os partidos tradicionais se recusam a cooperar com a AfD, a CDU rejeita qualquer elo com A Esquerda, considerada sucessora da sigla comunista que governava a Alemanha Oriental. Essa barreira só deixa uma opção nos dois estados do leste: um governo que una CDU e BSW.
“A BSW surge de um racha d’A Esquerda, mas tem correntes de direita e conservadoras em relação à imigração, de tal forma que se coloca como concorrência da AfD nessa questão”, afirma o cientista político Sven Leunig, da Universidade de Jena, na Turíngia. “Isso significa que o surgimento da BSW é a salvação da CDU.” Ambas as siglas já se mostraram dispostas a conversar sobre uma possível aliança após as eleições, mas o quadro é incerto.Para Brodocz, um dos principais impactos da votação na Saxônia e na Turíngia é a preparação para uma campanha acirrada nas eleições gerais do ano que vem. “Ainda que os partidos da coalizão [do primeiro-ministro] Olaf Scholz já contem com uma derrota, eles podem observar quais estratégias funcionam, quais temas são importantes”, afirma. “Se o SPD [de Scholz] não superar a cláusula de barreira de 5% dos votos nos dois estados, será uma derrota dolorosa.”