SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Estudos observacionais recentes apontaram para a hipótese do benefício da aspirina contra a Covid-19. Esse resultado, porém, ainda precisa ser confirmado e não significa que a droga deva ser usada para prevenir ou tratar a doença, principalmente porque há riscos de efeitos colaterais graves.
Respostas sólidas sobre a efetividade ou não da droga para a Covid devem surgir em breve. O amplo estudo britânico Recovery, por exemplo, está analisando essa relação.
No último dia 22, uma pesquisa interrompeu o recrutamento de mais de 13 mil pacientes e anunciou aos centros que integram a pesquisa que os participantes devem continuar tomando a medicação enquanto os pesquisadores analisam os dados obtidos.
A droga centenária, usada normalmente contra febre e dor, tem o poder de inibir a formação de plaquetas, também conhecidas como trombos. Com a evolução do conhecimento sobre Covid, percebeu-se que a doença muitas vezes provocava trombos que se espalhavam pelo corpo do infectado, dificultando a circulação sanguínea e a oxigenação.
“Mas, como todo remédio que mexe com coagulação, a aspirina pode ter efeitos adversos e ir para o outro extremo, que é aumentar o risco de sangramentos”, afirma Luciano Azevedo, professor de terapia intensiva da USP e pesquisador do Hospital Sírio-Libanês.
Anticoagulantes já foram adicionados aos tratamentos que realmente podem ter algum impacto no desfecho da doença.
Um dos estudos obsevacionais que encontrou benefício no uso da aspirina para a Covid-19 foi publicado, no início de fevereiro, na revista Plos One.
A pesquisa olhou para mais de 30 mil veteranos do exército nos EUA, majoritariamente homens. Mais da metade dos participantes tinha hipertensão, mais de 30% tinha doenças pulmonares crônicas e diabetes e 15% tinha problemas cardíacos.
Só foram observados participantes que tinham recebido um teste PCR positivo para Covid. Os pesquisadores consideraram como usuários de aspirina aqueles que tinham receita para uso da droga no momento em que foram diagnosticados com Covid ou que tivessem recebido o remédio nos 30 dias anteriores ao teste. Outros veteranos sem prontuário médico da droga foram considerados como grupo controle.
Os cientistas então observaram a mortalidade de participantes no espaço de 14 e 30 dias (eram dois grupos de análise diferentes, não os mesmos participantes).
Nos dois grupos, cerca de 24% dos pacientes usavam aspirina. Em ambos, os pesquisadores observaram menor mortalidade em comparação ao grupo controle.
Um outro estudo recente, também observacional multicêntrico, olhou para o desempenho de pacientes hospitalizados nos Estados Unidos. A pesquisa foi publicada no periódico científico Anesthesia & Analgesia.
Mais uma vez, foram considerados pacientes com PCR positivo para a Covid. Quase 24% das 412 pessoas observadas tomavam aspirina. O uso do medicamento era considerado quando ocorria em até 24 horas após a entrada no hospital ou nos sete dias anteriores.
No grupo da droga, havia mais diabéticos, hipertensos e pessoas com problemas cardíacos. Isso é compreensível, considerando que o uso do medicamento é indicado para pessoas com esses problemas, a fim de evitar acidentes vasculares, por exemplo.
Segundo os pesquisadores, foi observada uma associação entre uso da droga e menor risco de necessidade de ventilação mecânica, entrada em UTI e mortalidade.
Os autores apontam, porém, o risco de sangramentos, principalmente intestinais, em usuários de aspirina, o que já foi documentado em grandes pesquisas sobre a droga.
Além disso, ambos os estudos apontam a necessidade de pesquisas mais robustas. É o que o Recovery está fazendo.
Dependendo dos dados resultantes da pesquisa britânica, o tratamento de Covid pode ganhar um aliado barato e acessível. Vale lembrar, porém, que ao longo da pandemia outras drogas, como cloroquina e ivermectina, despertaram esperança inicialmente, mas falharam em testes mais robustos.
Mesmo se mostrando ineficazes contra a Covid, o burburinho inicial, a falta de medicamentos contra a doença e o desconhecimento científico fazem com que essas drogas continuem sendo prescritas e usadas por pacientes, o que, somado à Covid, pode colocar a vida dessas pessoas em risco.
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