LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Estudantes brasileiros têm relatado problemas para renovar suas autorizações de residência em Portugal. As dificuldades com o sistema, que deveria garantir a renovação automática para os inscritos no ensino superior, podem deixar os alunos sem um documento válido de identificação no país europeu.
Estudante de doutorado na Universidade de Coimbra, Rodrigo Monteiro de Carvalho é um dos afetados. Ele está no Brasil para uma temporada de coleta de dados de pesquisa e tenta há mais de dois meses, sem sucesso, renovar sua autorização de residência. Agora, diz que vai ter que antecipar o retorno a Portugal, mas teme ter problemas nesse processo –sobretudo se pegar um voo com conexão, quando a passagem pela imigração é feita em outro país da União Europeia.
“Eu pretendia ficar mais um pouco no Brasil para passar o Natal com a família, mas vou voltar mais cedo. Quero estar em Portugal antes de o meu documento sair da validade, no fim de dezembro”, diz.
Conforme outras pessoas relatam dificuldades com o sistema de renovação automática, o coletivo Estudantes Internacionais em Portugal tem reunido e divulgado parte das reclamações. “As queixas começaram em setembro, mas isoladamente. Nas últimas duas semanas, começaram a se multiplicar”, explica Caroline Napolitano, uma das representantes do coletivo.
Um dos alunos afetados criou um grupo para reunir os estudantes que enfrentam a mesma situação. Entre os relatos mais frequentes estão erros na hora de enviar o formulário e a impossibilidade de acessar o passo a passo no site.
Além de possíveis limitações à circulação, sobretudo para viagens ao Brasil e a outros países da Europa, muitos têm medo de perder o trabalho, uma vez que seus empregadores já manifestaram que a manutenção de documentação válida é essencial para a continuidade do vínculo profissional.
Presidente da Casa do Brasil em Lisboa, ONG que presta auxílio à comunidade imigrante em Portugal, a psicóloga Cyntia de Paula também afirma ter recebido muitas queixas de problemas com o sistema e classificou a situação como caótica. “Demonstramos preocupação, pois há muitas pessoas nessa situação, sobretudo estudantes de ensino superior”, diz.
A renovação automática das autorizações de residência foi implementada em meados de 2020, como forma de aliviar os cronicamente sobrecarregados postos de atendimento do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), órgão responsável pela imigração no país. Ao anunciar a medida, a entidade afirmou que ao menos 250 mil pessoas seriam beneficiadas.
Estudantes de ensino superior estão entre as categorias elegíveis para a emissão automática. A cada três meses, o SEF libera o acesso ao benefício para imigrantes cujos documentos vão se aproximando do fim da data de validade; estando na elegibilidade, estrangeiros podem fazer a renovação pela internet.
“Posteriormente, o Serviço fará todas as consultas de segurança para confirmar a idoneidade do requerente, bem como as consultas às bases de dados necessárias para aferir do cumprimento, pelo requerente, das suas obrigações fiscais e perante a segurança social. Depois de pagas as taxas, o cidadão receberá a Autorização de Residência na sua morada fiscal”, explica a entidade.
Durante mais de um ano, o sistema foi bastante elogiado pelos imigrantes, que deixaram de enfrentar maratonas para conseguir agendar um horário para fazer o procedimento presencialmente.
Questionado sobre o problema pela reportagem, o SEF não se manifestou até então.
Os relatos de dificuldade se dão em um momento especialmente delicado para a entidade, que já teve sua extinção aprovada pelo Parlamento. As responsabilidades do SEF serão divididas: a parte policial será incorporada a outras forças de segurança, e os serviços de atendimento e documentação passarão para o Instituto de Registros e Notariado e para a futura Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo.
Embora o fim do SEF devesse acontecer em janeiro, isso pode ser adiado para meados de 2022. O Partido Socialista, do primeiro-ministro António Costa, entregou nesta semana um projeto de lei para adiar em seis meses a extinção do órgão. O pedido foi motivado pela evolução da situação da pandemia na Europa e a possível necessidade de reforçar os controles nas fronteiras portuguesas.
Embora não tenha havido manifestação da entidade sobre o problema com as renovações, os estudantes avaliam ter encontrado algumas pistas sobre os grupos afetados. Ao cruzar as queixas dos alunos, o coletivo Estudantes Internacionais encontrou alguns padrões. Eles identificaram que a questão afeta sobretudo aqueles que já tinham feito a renovação automática do documento em 2020.
“Quando começamos a investigar com os estudantes do nosso perfil e de outros grupos, vimos que esse problema [com quem já renovara automaticamente em 2020] estava se repetindo em todos os casos”, diz Caroline.
Segundo ela, muitos dos estudantes receberam do SEF a informação de que se tratava de um erro do sistema de informática ainda sem previsão de resolução. “A questão afetou várias pessoas com passagens compradas ou correndo o risco de ter problemas com contrato de trabalho. Começamos a dar visibilidade abertamente no nosso perfil, e a repercussão foi alta.” A reportagem contou cerca de 50 relatos.
Nesta quarta-feira (24), o SEF anunciou a liberação de mais 7.000 vagas de atendimento. Os estudantes, no entanto, não são elegíveis para esses agendamentos.
Na prática, com a criação da possibilidade de renovação automática, vagas para atendimento presencial para esse serviço foram drasticamente reduzidas. Um estudante afirmou nas redes sociais que ligou mais de 70 vezes para os telefones do SEF tentando fazer um agendamento, sem ter retorno.
Os brasileiros formam a maior comunidade de alunos internacionais nas universidades portuguesas, com mais de 20 mil estudantes entre graduação e pós-graduação.
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