(FOLHAPRESS) – A Escola Estadual Sapopemba, na zona leste de São Paulo, tinha conhecimento de brigas em sala de aula envolvendo o autor de um ataque a tiros na manhã de segunda-feira (24), que deixou uma aluna morta e outros três feridos, dois deles baleados.
O atirador, um menino de 16 anos, foi apreendido e encaminhado para a Fundação Casa.
As motivações ainda são investigadas. Segundo o advogado Antonio Edio, que representa o adolescente, ele diz que tomou a atitude em reação às práticas de bullying e homofobia que sofria.
A reportagem teve acesso ao depoimento de uma coordenadora que cita confusões envolvendo o aluno, matriculado no primeiro semestre. O relato contradiz a fala do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que afirmou em coletiva que o estudante que cometeu o ataque não era identificado pela direção da escola como um agressor em potencial.
Segundo a coordenadora pedagógica, uma mulher de 43 anos, duas estudantes a procuraram na quinta-feira (19) para alertar que o menino havia destratado uma colega. Não há detalhes sobre o que ocorreu. Na ocasião, o autor do ataque também teria dito que daria um presente para uma das alunas que acabariam sendo baleadas.
A coordenadora afirmou aos policiais que conversaria com o jovem na sexta-feira (20), mas ele não foi à escola naquela data. A intenção então seria chamá-lo para conversar na segunda-feira, tanto que ela se encaminhava para isso quando ouviu os primeiros tiros.
A briga na semana anterior não teria sido a primeira confusão de que o adolescente participou. Conforme a coordenadora, houve um desentendimento entre ele e uma outra aluna no início do ano.
De acordo com a coordenadora, após os tiros, ela encontrou o adolescente com a arma na mão. Ele cobria o rosto com uma máscara de caveira. A mulher perguntou o motivo para aquela atitude, tirou o revólver da mão dele e o abraçou. O atirador nada respondeu.
O autor do ataque permaneceu na sala da diretora, que está em período de férias, até a chegada da Polícia Militar.
Uma professora de biologia relatou que o adolescente não tinha comprometimento com a aula, não respondia chamadas e não fazia as lições de casa. Durante as aulas, conta, o estudante ficava no celular e não prestava atenção.
A professora afirmou não ter notado casos de bullying contra o adolescente em suas aulas.
Em seu depoimento, o autor do ataque relatou atos homofóbicos contra ele. Um boletim de ocorrência chegou a ser feito, mas não foi motivo de investigação já que a mãe do menino não representou no prazo estabelecido por lei.
“A Secretaria da Educação sabia a todo tempo desse crime grave que o adolescente sofria na escola. Não só sabia, ela era ciente da violência física. Tem vários vídeos gravados por colegas dele, que a diretora tinha ciência que ele sofria violência física no interior da escola. As violências psicológicas e crimes de homofobia eram constantes. Não é normal que a secretaria saiba de um ato tão grave que acontecia com um adolescente de 16 anos e permitisse que viesse a ocorrer algo maior como ocorreu”, acrescentou o advogado Edio.
Procurada, a secretaria da Educação declarou que, neste momento, todos os esforços da pasta estão concentrados em apoiar a comunidade escolar, principalmente os estudantes e servidores. A pasta não se pronunciou sobre o conhecimento de brigas envolvendo o autor do ataque e se alguma medida foi tomada nos casos específicos.
ESCOLA ATACADA TEM HISTÓRICO DE NEGLIGÊNCIA, DIZEM PAIS
Pais de alunos da Escola Estadual Sapopemba relatam uma série de negligências com casos de agressões graves e bullying na unidade.
As situações envolvem brigas frequentes nas ruas ao redor da instituição, agressões durante as aulas, e casos de bullying que chegaram à direção, demandando atendimento psicológico e uma mediação entre estudantes. Uma aluna do 3º ano do ensino médio que tem depressão conta que o único atendimento psicológico que recebeu foi virtual e em grupo -o que foi ineficaz, segundo ela.
Em março, um aluno de 15 anos foi sufocado com uma sacola plástica dentro de sala de aula por um colega. Quem conta o caso é a avó da vítima, de 67 anos. Depois de se desvencilhar do agressor, o aluno pegou a sacola e levou até a professora, mas teria levado uma bronca por interromper a aula.
“A professora estava na sala e, quando eu fui conversar com ela, ela falou que se [a agressão] não estivesse no campo de visão dela, então ela não ia ver mesmo. E que ela não estava lá para ser babá de aluno de 15 anos”, disse. Ela também contou que a família teve de insistir com a direção para que os pais do menino que sufocou o colega fossem chamados à escola.
Cinco pessoas, entre mães de alunos e estudantes, relataram que brigas de alunos nas ruas ao redor da escola são frequentes, praticamente toda semana. Alguns desses casos são graves: há relatos de agressores batendo a cabeça das vítimas nas guias das calçadas e de uso de objetos como barras de ferro.
Ao menos uma das brigas do último mês teria envolvido o aluno que disparou contra os colegas, segundo os entrevistados. Todos disseram que os alertas à direção sobre agressões e casos de bullying eram negligenciados. Havia promessas de que providências seriam tomadas, mas na maior parte dos casos elas acabavam sendo esquecidas.
Uma mulher de 44 anos conta que uma de suas filhas sofria bullying diário na escola no ano passado por causa do seu corte de cabelo. A mãe diz que esgotou as tentativas de fazer com que a direção mediasse o problema e tomou iniciativa por conta própria.
“A verdade é que, infelizmente, os alunos estão como animais ali, não se respeitam”, diz. “A diretora tinha que ter tomado sim uma atitude para cuidar dos alunos, para dirigir de fato a escola.”
A escola estadual Sapopemba funciona em período regular nos três turnos (manhã, tarde e noite) e tem quase 2.000 alunos nos anos finais do ensino fundamental (de 6º a 9º ano) e no ensino médio.
O último dado do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) mostra que a escola tinha desempenho abaixo da média nacional e do estado de São Paulo para os alunos do fundamental, com 51% dos estudantes sem ter aprendido o básico em português até o fim do 9º ano. Apenas 23% aprenderam o básico em matemática. No último ano do ensino médio, só 35% dos alunos conseguiram aprender o básico em português e 5% em matemática.
Em nota, a Secretaria de Educação disse que a equipe do Programa de Melhoria da Convivência Escolar (Conviva) irá acompanhar a unidade para melhor entender as necessidades locais e apresentar soluções necessárias para todas as questões de convivência. Além disso, informou que oito psicólogos estão à disposição da escola para atendimento e que, em um mês, foram realizados 15 encontros do programa Psicólogos nas Escolas na unidade.
Desde agosto, 550 psicólogos realizam atendimentos presencialmente nas unidades escolares, informou a secretaria. “Neste mês, a Seduc [Secretaria de Educação] abriu processo seletivo de docentes que atuarão como Professor Orientador de Convivência (POCs) nas escolas da rede no ano de 2024. Serão alocados 1.782 profissionais em 1.581 unidades de ensino, e a unidade de Sapopemba irá receber um destes profissionais para compor a equipe já existente na escola”, afirmou.
A Secretaria da Educação e a Secretaria da Segurança Pública dizem que estudam novas ações para a prevenção de atos violentos nas escolas da rede.
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