(FOLHAPRESS) – O guitarrista e cantor britânico Eric Clapton fez uma apresentação monumental na noite de domingo (29), no Allianz Parque, em São Paulo. Mas é um show dirigido apenas a fãs que acreditam na força da música, sem intervenção de dançarinos, efeitos visuais em telões impactantes ou brincadeiras com a plateia. Clapton no palco é puro blues.
Talvez acostumados às vindas recentes dos também veteranos Paul McCartney ou Roger Waters, que despejaram quase três horas de espetáculo cada um, alguns espectadores reclamaram que a performance de Clapton foi curta. Sim, em torno de uma hora e 40 minutos em todos os shows da turnê, que passou por Curitiba e Rio antes de terminar em São Paulo. Foi a quarta vinda do guitarrista ao Brasil.
Aos 79 anos, vestindo calça jeans, camiseta básica, dois casacos de moletom sobrepostos e um boné que só retirou no aceno ao público no final do show, Clapton tem no palco um comportamento discreto. Concentrado na música, calmo, bem tranquilo mesmo. Depois que, durante a pandemia, deu declarações negacionistas sobre a vacina contra a Covid-19 e foi quase cancelado, ele tem falado cada vez menos com a plateia.
Nos anos 1960, foi tão exaltado a ponto de seus fãs escreverem “Clapton is God” nos metrôs londrinos. E ele acertou no alvo desse período inicial e mágico de sua carreira ao abrir o show com “Sunshine of Your Love”, o maior hit de sua terceira banda, Cream, grupo seminal que montou entre 1966 e 1968 com Jack Bruce, no baixo, e Ginger Baker, na bateria.
Antes, entre 1963 e 1966, Clapton revezou participações no John Mayall and the Bluesbreakers e no The Yardbirds, duas bandas lendárias do blues inglês.
O público no Allianz acompanhou um bloco de abertura que teve outra do Cream, “Badge”, junto com “Key to the Highway”, composta em 1940 pelo pianista americano de blues Charlie Segar, e “I’m Your Hoochie Goochie Man”, de outro monstro sagrado do gênero, Willie Dixon. Depois desse início com antigas canções eletrificadas, Clapton começou um set acústico da apresentação, sem cair o pique.
Ele cantou então “Kind Hearted Woman Blues”, de Robert Johnson, o pai de todos os guitarristas de blues, ídolo maior de Clapton. Johnson morreu em 1938, aos 27 anos. Assim, ele é o precursor da leva de roqueiros mortos também aos 27 anos, como Jimi Hendrix, Jim Morrison, Brian Jones, Janis Joplin, Kurt Cobain e Amy Winehouse. Coisas do folclore do rock.
É nesse bloco de performances acústicas que Clapton tem feito uma ou outra mexida no repertório do show. Mas sempre estão lá “Change the World”, cover da cantora country Wynonna Judd, e “Runnin on Faith”, canção de “Journeyman”, de 1989, um de seus álbuns mais bem-sucedidos. E, claro, “Tears of Heaven”, a triste balada que compôs para o filho Connor, morto aos quatro anos, que se tornou a canção mais popular de sua carreira.
Nesse bloco, Clapton chamou ao palco um amigo brasileiro, o guitarrista brasiliense Daniel Santiago, dividindo os violões com ele em três músicas, inclusive “Tears in Heaven”. Ele voltou também no bis.
Por mais que o grupo de músicas ao violão seja emocionante, o que vem a seguir é espetacular. Ele retoma a guitarra para mais duas de Robert Johnson, “Cross Road Blues” e “Little Queen of Spades”, ambas dos anos 1930, e duas pedradas sonoras que viraram hits em gravações do próprio Clapton, “Old Love”, outra de “Journeyman”, e “Cocaine”, de J.J. Cale, encerrando a parte principal do show com o indefectível coro da pista e das arquibancadas gritando “cocaine”.
Clapton volta para o bis, e talvez aqui esteja o momento que desagrada a algumas pessoas. É apenas uma música, e certamente muitos queriam mais. Mesmo se tratando de “Before You Accuse Me”, lançada em 1957 pelo pioneiro americano do rock Bo Diddley. Uma canção clássica, poderosa, com um fraseado hipnótico de guitarra, que se tornou um estandarte do blues. Um ótimo encerramento.
Antes que a lenda inglesa tocasse, o guitarrista americano Gary Clark Jr. fez um show de abertura com sete músicas, três de seu último e ótimo álbum, “JPEG Raw”. É um instrumentista incrível e canta muito. Na turnê anterior de Clapton no Brasil, em 2011, Clark também fez o esquenta antes das apresentações. Mas musicalmente ele parece mais influenciado por Robert Cray do que por Clapton.
O show talvez seja curto, mas quem é fã e esteve lá deve se sentir agraciado por ver e ouvir mais uma vez o Deus da guitarra, em sua provável última grande turnê. Se alguém tiver pintado “Clapton is God” em um muro próximo ao Allianz, essa pessoa está coberta de razão.
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