Sem conseguir fazer a abertura comercial prometida, a equipe econômica de Paulo Guedes vem atuando “pelas bordas” e abrindo a economia brasileira para importações de forma silenciosa.
Enquanto o corte geral de tarifas pretendido pelos liberais de Guedes não sai, a atuação vem se dando em três frentes: negação sistemática de pedidos de defesa comercial (que é a aplicação de sobretaxas à importação quando há indícios de concorrência desleal), redução de Imposto de Importação para produtos específicos e negociação de acordos comerciais.
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Levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) a pedido do Estadão/Broadcast mostra que o número de novas medidas antidumping, adotadas contra produtos que são vendidos a preço menor do que o de exportação nos mercados internos, caiu de 17 em 2016 para zero neste ano.
O movimento acentua a tendência que vem se mostrando nos últimos anos – na última década, o Brasil reduziu as medidas adotadas em 54% enquanto o mundo aumentou em média 25% esse tipo de defesa.
Na avaliação do diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Eduardo Abijaodi, enquanto o mundo tem se defendido cada vez mais de práticas desleais de mercado, o Brasil tem enfraquecido unilateralmente seu sistema de defesa comercial ao longo dos anos.
“As medidas antidumping buscam evitar prejuízos aos produtores nacionais por importações realizadas a preços abaixo dos praticados no mercado. Na prática, quando reduz o número dessas medidas justamente em um momento em que o mundo amplia, o Brasil deixa sua indústria à mercê de práticas desleais de mercado”, afirma.
Em 2019, de acordo com a CNI, o Brasil reduziu as taxas já aplicadas em medidas antidumping que estão em vigor em 29% das reanálises. Neste ano, 37% das revisões resultaram em redução de taxas. Esses cortes foram feitos em setores como borracha, papel, vestuário e calçados.
Segundo o Ministério da Economia, desde o início de 2019, “a avaliação de interesse público na aplicação das medidas de defesa comercial passa por representativo aprimoramento técnico e especialização”.
Tarifas. Desde a campanha, a promessa de Guedes era reduzir a tarifa média de importação. A ideia era cortar o imposto em um ponto porcentual no primeiro ano, dois no segundo, três no terceiro e quatro no quarto. Isso teria que ser feito em acordo com os outros países do Mercosul, já que a tarifa cobrada na importação de produtos é comum aos membros.
O ministro queria que a abertura ocorresse em paralelo a mudanças que dariam competitividade à economia brasileira, como a reforma tributária. Nenhuma das duas ações foi feita.
No último dia 18, o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Roberto Fendt, disse que o governo precisa ter “juízo” na abertura econômica. “Há três décadas a produtividade do capital não cresce neste País. Então, a indústria tem medo de competir com lugares de produtividade alta”, comentou o secretário ao participar de encontro com representantes do agronegócio promovido pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).
Enquanto isso, Guedes vem aproveitando o que chama de “janelas” para reduzir tributos pontualmente, sejam elas abertas por aumento no preço do produto no mercado interno – como no caso do arroz e da soja – ou por necessidade de agradar o presidente da República, Jair Bolsonaro – como nos jogos e revólveres. Neste último, a redução a zero da tarifa de importação acabou suspensa por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin.
Para o ex-secretário de Comércio Exterior e consultor Welber Barral, a abertura está mais lenta do que o imaginado pela equipe econômica. “Tem havido uma tendência de liberalização comercial, mas fazer a reforma econômica foi muito mais difícil do que a equipe econômica pensava. Na parte da abertura comercial, há um viés liberalizante, mas várias coisas ficaram paradas este ano por causa da pandemia, em que houve ainda o aumento do protecionismo”, completou.
A tarifa de importação cobrada em cada bem é comum em todo o Mercosul, mas há instrumentos no bloco que permitem fugir da regra geral, como questões emergenciais, desabastecimento e listas de exceção.
De acordo com dados do Ministério da Economia, no atual governo, foi reduzida a alíquota do Imposto de Importação de 9.678 produtos.
Entram nessa lista 480 produtos relacionados ao combate à pandemia do coronavírus, como medicamentos, álcool em gel, máscaras e luvas. “A lista tinha previsão inicial de vigência até setembro e foi prorrogada até o fim deste ano. O governo avalia uma nova prorrogação para o mecanismo”, segundo informou a pasta.
Além disso, foram feitas reduções por questões de desabastecimento, para a importação de bens de informática e de telecomunicações e dentro de regimes especiais de bens de informática e autopeças. Outras 150 reduções foram feitas na tarifa comum do Mercosul, em acordo com os outros países, sendo 122 produtos químicos.
Acordos. A terceira frente pretendida pela equipe de Guedes é talvez a que vem sendo conduzida de forma mais lenta: a negociação de acordos comerciais.
O acordo mais alardeado de todos, fechado no ano passado entre os países do Mercosul e os da União Europeia, acabou totalmente paralisado em 2020, em função da pandemia e das restrições de países europeus ao agravamento de questões ambientais brasileiras.
O Mercosul fechou ainda, no ano passado, um acordo com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), e o Brasil acordos automotivos com Argentina, Paraguai e México.
Neste ano, Brasil e Estados Unidos firmaram um acordo de facilitação comercial e o País também mantém conversas com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano e Israel. De acordo com o Ministério da Economia, há expectativa de novas frentes de negociação, ainda, com Indonésia, Vietnã, México e países da América Central e Caribe, além de “diálogos exploratórios” com Reino Unido, Índia e Japão.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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