Entenda por que heróis LGBT ganham terreno nos games

BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – No ano passado, “The Last of Us 2”, eleito jogo do ano no Game Awards, o Oscar dos jogos, trouxe uma protagonista lésbica. Jogadores gastaram juntos 200 milhões de horas controlando Ellie, que se reveza entre matar zumbis e beijar sua namorada.

Outra produção recente, mas de menor expressão, “Tell Me Why” tem um homem trans como seu protagonista.

Por enquanto, é cedo para chamar de tendência. Os dois são mais exceção do que regra –e uma exceção bem calculada por agentes de marketing de uma indústria que visa maximizar o lucro junto a uma clientela disposta a gastar seu “pink money” para jogar.

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O LGBTQ Game Archive é um banco de dados que conseguiu identificar cerca de 300 jogos entre 1986 e 2016 com personagens LGBTQ. No primeiro ano, foram identificados três personagens. Já em 2014, foram mapeados 72.

Para se ter um parâmetro, só na plataforma Steam no ano passado, foram lançados 10.263 jogos de todos os tipos. O arquivo ainda é um trabalho em processo e a lista dos anos 2010 está incompleta.

Ainda assim, os designers e pesquisadores Milo Utsch e Lu Christófaro conseguiram garimpar do arquivo uma mudança nítida quanto ao número de personagens explicitamente LGBTQ em games, revertendo uma tendência dos anos 1980 e 1990, quando muitos apenas aparentavam ser, sem que o jogo deixasse claro.

Segundo o recorte feito, 75% dos personagens identificados como potencialmente LGBTQ na primeira metade dos anos 1990 eram implícitos. Em 2015, 88% eram explícitos.

Para explicar o que é “implícito”, Utsch busca exemplos nos animes, como Shun, dono da armadura cor-de-rosa em “Cavaleiros do Zodíaco”, e Urano e Netuno, em “Sailor Moon” –na versão japonesa elas formam um casal lésbico, mas no Ocidente são “amigas”.

O fato de um jogo ter personagens LGBTQ não quer dizer que há ali uma representação positiva ou tridimensional.

Na escrachada franquia “Leisure Suit Larry 6”, o personagem que dá nome ao jogo troca beijos com uma mulher. Quando ela se levanta e revela ter um pênis ereto, a reação de Larry é vomitar.

“Dentro do que a gente pesquisou, o ‘Leisure Suit Larry’ e o ‘GTA’ eram as franquias que mais tinham personagens LGBT, mas sempre com um ponto de vista péssimo, preconceituoso, usando os personagens como piada”, diz o pesquisador Lu Christófaro.

Mas muitos gamers provavelmente jogaram com um personagem LGBTQ sem se dar conta. Link, de “Zelda”, é homem em “Breath of the Wild, mas nem sempre foi assim.

O produtor Eiji Aonuma disse à revista Time que “na época de ‘Ocarina of Time’, queria que Link tivesse gênero neutro, queria que o jogador pensasse ‘talvez Link seja um menino ou uma menina'”.

Há quem acredite que a tal representatividade nos games que ecoa na internet tenha mais a ver com dinheiro.

“Acho que no final das contas a questão é se gente consegue convencer a indústria de games de que gays têm dinheiro”, diz Robert Yang, desenvolvedor e ex-professor da Universidade de Nova York.

Yang explicita seu ceticismo em relação a elementos políticos em games recentes. “Eles [grandes empresas de games] são uns covardes. Usam o auê da política, mas não querem dizer nada na verdade”, diz.

De qualquer forma há um certo espaço para um público consumidor LGBTQ. “Há games como ‘Dragon Age’ e ‘Mass Effect’ que permitem que você controle um personagem gay.

Mas são migalhas. A gente fica como um cachorro no pé de uma mesa de jantar esperando que migalhas de comida caiam no chão. Eu cansei um pouco disso. Tudo bem comer as migalhas, mas eu prefiro uma refeição completa”, afirma Yang.

Quando ele fala da refeição completa, está se referindo aos games independentes, seara que permite pular de cabeça na temática LGBTQ.

Um de seus jogos mais conhecidos é “The Tearoom”, que simula um banheiro público no Meio-Oeste americano no início dos anos 1960 –nessa época, em Ohio, vigorava a chamada lei da sodomia. A mecânica do jogo consiste em tentar fazer sexo oral no companheiro de mictório
antes que a polícia chegue e a festa termine na cadeia.

Outro game de Yang é “Cobra Club”, um jogo de tirar fotos de pênis virtuais em 3D, customizados de acordo com a preferência do jogador. O game foi banido da Twitch, plataforma de streaming de games. Ele lembra ainda outro jogo que permite customizar o pênis, “Cyberpunk 2077”, do gigante polonês CD Projekt Red, que não foi banido.

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