SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nesta quarta-feira (20), o cartunista Angeli, 65, anunciou seu afastamento dos quadrinhos após receber o diagnóstico de afasia. O distúrbio já havia ganhado os holofotes em março, quando o ator Bruce Willis também declarou que iria deixar as telas pela mesma razão.
A aposentadoria do cartunista encerra sua parceria com a Folha, sua casa por mais de quatro décadas. A colaboração começou em 1973 e se tornou fixa dois anos depois. De 1983 a 2016, ele publicou tirinhas diariamente na Ilustrada.
A afasia é uma condição neurodegenerativa que afeta a capacidade de comunicação verbal e, conforme evolui, prejudica também a escrita. Ela pode ter como causa o AVC (acidente vascular cerebral), que é uma das mais frequentes, o aneurisma, traumas, infecções cerebrais, tumores e outras doenças degenerativas que afetam o cérebro.
“Afasia não é uma doença em si, ela é um conjunto de sintomas que são caracterizados por uma perda ou disfunção da linguagem”, esclarece o neurologista Leonel Tadao Takada, do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
De acordo com o especialista, que também é membro da ABN (Academia Brasileira de Neurologia), o distúrbio é provocado por uma lesão cerebral que compromete as regiões do cérebro que produzem a linguagem.
Antonio de Salles, neurocirurgião da Rede D’Or São Luiz, em São Paulo, explica que as regiões afetadas são as responsáveis pelo sentido da fala, cuja localização depende do fato de a pessoa ser destra ou canhota.
“A função de compreensão do que é comunicado fica na área de Wernicke. Já a palavra articulada, onde o cérebro se organiza para fazer os músculos se movimentarem para falar, fica na área de Broca”, descreve Salles.
COMO O DISTÚRBIO É CLASSIFICADO
A afasia também é classificada pelo seu causador, que podem ser lesões estáticas ou progressivas primárias.
“No primeiro grupo, os sintomas surgem de uma hora para a outra, gerados principalmente por um Acidente Vascular Cerebral (AVC), mas também pode acontecer devido a tumores e traumatismos cranianos”, diz Takada, neurologista do Hospital das Clínicas.
Já a afasia progressiva primária, que foi a versão que atingiu Bruce Willis e Angeli, está relacionada ao surgimento de enfermidades neurodegenerativas, como Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla.
QUAIS OS SUBTIPOS?
A afasia progressiva primária, por sua vez, é classificada em três subtipos: agramática ou não fluente, logopênica e semântica.
Na variante agramática ou não fluente, as pessoas sentem dificuldade de seguir as regras gramaticais e, por isso, não conseguem compreender frases mais complexas como na voz passiva, por exemplo. Elas também podem desenvolver uma condição chamada de apraxia da fala.
“É uma dificuldade para planejar a maneira de articular as palavras. Na prática, é um fenômeno que lembra muito o gaguejar”, explica o neurologista da ABN.
Já na variante logopênica, a dificuldade está relacionada a encontrar as palavras no meio de uma conversa. De acordo com Takada, isso está relacionado a nossa memória operacional, que é como se fosse a memória RAM dos computadores. “Esses pacientes têm um comprometimento nessa região, por isso é mais complicado para eles recitar frases longas”, relata.
Por fim, na variante semântica os indivíduos perdem o conhecimento dos objetos. Há uma parte do cérebro responsável por agrupar informações do que são as coisas em si. “Um gato, por exemplo. A gente sabe que o gato mia, que tem duas orelhas e quatro patas, que vivem dentro de casa, que existem diversas raças Todas essas informações ficam no hemisfério esquerdo do cérebro”, informa o médico.
É assim que nós conseguimos olhar para um gato e identificar que ele é, de fato, um gato. Uma pessoa portadora dessa variante semântica perde esse discernimento. Ela olha para um canivete, mas não sabe que aquilo é um canivete – mesmo sendo um objeto que ela já conhecia anteriormente.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
O diagnóstico é essencialmente clínico, podendo ser complementado com testes neuropsicológicos e exames de imagem, como ressonância magnética, tomografia computadorizada e angiografia.
O tratamento é baseado em sessões de fonoaudiologia e fisioterapia, e a evolução depende da idade da pessoa e do que ocasionou o transtorno.
Segundo Salles, neurocirurgião da Rede D’Or, em casos em que ocorreu AVC, é comum conseguir recuperar a fala. “O cérebro é um órgão muito plástico, se você lesa uma parte, outra região pode começar a fazer aquela função.”
“Também depende do tamanho da lesão. Se for pequena, as áreas ao redor são capazes de remodelar as conexões neurais e fazer com que a pessoa volte a ter a linguagem completamente ou quase que totalmente preservada”, acrescenta Takada.
Nos quadros associados a doenças neurodegenerativas, porém, restabelecer a comunicação verbal é mais complicado, uma vez que são enfermidades progressivas que não têm cura.
Como a afasia é um sintoma, a única forma de não sofrer com ela é aderindo às medidas necessárias para evitar aquilo que a causa. “Como o AVC é o agente mais comum, é importante controlar o colesterol e a pressão arterial, se alimentar corretamente, praticar exercícios físicos e procurar não viver estressado”, orienta Salles.
TEMPO DE EVOLUÇÃO DO DISTÚRBIO
O tempo de evolução dos sintomas varia. “Eu diria que na média são cerca de dez anos, mas já vi pessoas que ultrapassam os 20 anos”, conta Takada.
Dificuldade para encontrar palavras na conversa ou troca de letras quando vai escrever são alguns exemplos. Com o tempo, esse processo vai piorando.
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