Entenda o que é a doença ataxia de Friedreich, também conhecida como morte em vida

VITOR HUGO BATISTA
JOÃO PESSOA, PB (FOLHAPRESS) – O piloto de avião Antonio Maranhão Calmon, 47, compartilhou na última semana sua experiência com a ataxia de Friedreich.

 

A doença genética rara e neurodegenerativa compromete aos poucos a coordenação motora e o equilíbrio.

Na maioria das vezes, os primeiros sintomas aparecem na infância e adolescência e incluem dificuldades no equilíbrio e na marcha, levando a frequentes quedas.
Calmon foi diagnosticado apenas aos 37 anos e precisou abandonar a carreira e mudar os planos de vida.

Ele descreveu a batalha diária contra a doença, muitas vezes referida como “morte em vida”. No entanto, o termo é contestado pela comunidade médica.
Segundo o neurologista José Luiz Pedroso, vice-coordenador do setor de ataxias da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o termo é inadequado e pode gerar uma desesperança no tratamento dos pacientes.

“Com o passar dos anos, os pacientes podem perder a mobilidade e necessitar de cadeira de rodas, mas isso não significa morte em vida. Com acompanhamento profissional, eles podem ter uma boa qualidade de vida, ter vida social, se alimentar, se comunicar e ter a preservação das funções vitais”, explica.

O QUE É A ATAXIA DE FRIEDREICH?
A ataxia de Friedreich é uma doença autossômica recessiva, ou seja, é necessário herdar duas mutações genéticas -uma do pai e outra da mãe- para desenvolver a condição.

Essas mutações ocorrem no gene FXN, responsável pela produção da proteína frataxina. A falta dessa proteína leva à degeneração de células nervosas, resultando na perda progressiva da coordenação e do equilíbrio.
Em outras palavras, é uma doença genética neurodegenerativa, porque progride com o passar do tempo.

QUAIS SÃO OS TIPOS DE ATAXIA?
Existem mais de 200 tipos genéticos de ataxia. Elas podem ser classificadas em formas recessivas, que geralmente começam na infância ou adolescência, e dominantes, que tendem a surgir mais tarde e podem afetar vários membros da família.

QUAIS SÃO AS CAUSAS DA ATAXIA?
Sim. Além da causa genética, a ataxia pode ser adquirida e estar relacionada a fatores externos, como medicamentos e outras doenças. As ataxias adquiridas não são progressivas.

O álcool pode causar ataxia devido à degeneração cerebelar. Além disso, alguns medicamentos anticonvulsivantes (como a fenitoína), quimioterápicos e certos antibióticos podem provocar ataxia. No entanto, essas reações são relativamente raras.
Existem ainda as ataxias provocadas por AVC ou problemas autoimunes, como a esclerose múltipla.

QUAIS SÃO OS SINTOMAS DA DOENÇA?
Na maioria dos casos, o primeiro sintoma é a alteração do equilíbrio, que dificulta a marcha e aumenta a quantidade de quedas.

Esses sinais geralmente aparecem entre 14 e 25 anos de idade, mas é possível que se desenvolvam em idades mais precoces. “Após os 25 anos, consideramos que os sintomas vieram tardiamente”, diz Pedroso.
A doença progride lentamente, afetando a capacidade de caminhar e, eventualmente, levando à necessidade de uso de cadeira de rodas.

A ATAXIA TEM CURA?
As formas genéticas de ataxia, como a ataxia de Friedreich, não têm cura. Contudo, existem tratamentos que podem ajudar a gerenciar os sintomas e aumentar a expectativa de vida.

Por outro lado, ataxias adquiridas, como as provocadas por um AVC ou problemas autoimunes, como a esclerose múltipla, podem ser tratadas e, em alguns casos, revertidas com o tratamento adequado.
A expectativa de vida para pessoas com ataxia de Friedreich é variável. Com cuidados médicos e multiprofissionais adequados, muitos pacientes podem viver além dos 50 anos.

“Não existe uma definição clara, porque depende muito da gravidade da doença de cada paciente, que pode desenvolver formas mais leves ou graves, e do cuidado e acompanhamento multiprofissional”, explica Pedroso.

PESSOAS COM ATAXIA PODEM TER FILHOS? A DOENÇA TRAZ OUTRAS COMPLICAÇÕES?
Se a pessoa com ataxia tiver filhos com uma pessoa sem a doença, o risco do filho desenvolver a condição é baixo ou quase zero. Isso porque ambos os pais precisam ter alteração genética para que o filho nasça com a doença.
Se os dois genitores tiverem a condição, a chance do filho nascer com ataxia é de 50%.

“É importante que os pacientes tenham aconselhamento genético para essas questões”, indica Pedroso.

Além disso, o neurologista lembra que uma gestação envolve mudanças corporais e estruturais no organismo da mãe, que podem gerar um risco maior e mais dificuldades para aquelas que têm a doença.
Além das alterações neurológicas, a ataxia de Friedreich pode provocar complicações em outros sistemas do corpo. Com a progressão da doença, podem ocorrer os seguintes problemas:
– Neuropatia periférica: a doença pode afetar os nervos periféricos, levando a sintomas de neuropatia.
– Complicações cardíacas: segundo Pedroso, uma parcela dos pacientes desenvolve cardiopatias, como arritmias e hipertrofia ventricular. É essencial que esses pacientes recebam acompanhamento cardiológico regular.
– Diabetes: devido ao envolvimento mitocondrial -relacionado à fonte de energia das células- da doença, há um risco aumentado de desenvolvimento de diabetes.
– Escoliose: a ataxia de Friedreich também pode causar escoliose, uma curvatura anormal da coluna vertebral.

COMO É O TRATAMENTO DA ATAXIA DE FRIEDREICH?
Atualmente, há muitas pesquisas em andamento para o tratamento das doenças neurogenéticas.

Diversos medicamentos, como antioxidantes, neuroprotetores, polivitamínicos e imunomoduladores, foram testados, mas sem resultados significativos.

Recentemente, uma nova medicação chamada Skyclarys (omaveloxolone) tem mostrado alguma promessa. Estudos indicam que essa droga pode reduzir a progressão da doença, embora não a cure. É o primeiro tratamento para a ataxia de Friedreich.

A FDA (agência americana que regulamenta drogas e alimentos), aprovou o medicamento nos Estados Unidos.
Pacientes que utilizaram omaveloxolone apresentaram uma leve melhoria na gravidade dos sintomas, mas a progressão da ataxia não foi totalmente interrompida.